Um filme de Sylvain Chomet.
Em sua estreia atrás de um longa, Sylvain Chomet cria uma obra-prima poderosa e singular. Com traços que fogem ao convencional (mesmo assim belíssimos) e esbarram com o absurdo, Les triplettes de Belleville criam um mundo único. Silencioso e com traços de realismo (com becos miseráveis, sujos, habitados por prostitutas fumantes) é um filme voltado para o público adulto, que emociona com sua delicadeza e faz rir com seu humor negro.
Numa parte pobre de alguma cidade francesa, vivem uma velha portuguesa e o neto (ou seria o filho adotivo?). O garoto vive deprimido, mesmo com todo o amor que a mulher dá. Ela tenta alegrá-lo dando um cão, e mais tarde uma bicicleta. O garoto continua infeliz e cresce assim, mas faz do ciclismo sua profissão. Sob os treinos da avó, ele participa do Tour de France. Mas durante a competição ele é sequestrado e levado para Belleville. A avó e o cão vão atrás para salvá-lo.
A primeira impressão que esta obra causa é estranhamento. Seus traços estéticos são bastante incomuns, uma espécie "light" de expressionismo, onde as cores predominantes são de tons quentes. Tudo beira o absurdo, as diferenças de estatura das pessoas; suas aparências; seus físicos que variam do magérrimo à obesidade; seus narizes enormes. As cidades também são um caos de prédios, cores e sujeira. Mas basta um pouco de mente aberta para perceber o quão precioso é esse mundo que Chomet nos oferece, o quão belos são seus traços. Estranhamento que acompanha algumas ações da película, que conta com cenas bem peculiares (inclusive uma chuva de sapos à Magnólia). Há até algumas cenas que podem ser consideradas bem violentas. Se formos considerar que estas ações estão numa animação, o estranhamento aumenta.
Mas não é só a parte estética que é incomum. O filme é quase mudo. Há trilha sonora (ótima) e uma ou outra fala curta. Entendemos as emoções que os personagens estão sentido com base em seus gestos, olhares, expressões faciais e suspiros. A dinâmica, a trama, também é compreendida com as ações.
E para melhorar ainda mais, a obra é uma verdadeira crítica social. Belleville (muito claramente inspirada em Nova York) é uma metrópole, cheia de pessoas - gordas - vivendo em seu próprio mundo individualista, cheia de diferenças sociais, de atrações e becos sujos de periferia, ocupados de lixo e da "ralé" que as "zonas nobres" da cidade não aceitam. Mas Chomet vai além dessa pequena crítica e volta seus olhos para a terceira idade. Aqui os velhos não são problema da Previdência, mas seres cheios de sabedoria e experiência, capazes de criar arte e batalhar por objetivos.
Não deixe de conferir essa incrível pérola francesa.
#ficaadica
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