Um documentário de Nikita Mikhalkov.
Quando Boyhood estourou mundo afora logo surgiram comparações com este filme/documentário até então muito pouco conhecido. Assim como o filme americano, esse documentário russo também foi filmado durante 12 anos, também acompanhando o crescimento de uma criança. Por um lado Boyhood é ficção (embora o mesmo ator, crescendo, interpreta um mesmo personagem, que é o charme maior da obra) enquanto Anna acompanha o crescimento da filha do cineasta, Anna.
Durante 12 anos Mikhalkov filma a filha, entre seus seis e dezoito anos, uma vez ao ano, quando repete algumas mesmas perguntas. Naturalmente as respostas variam ano após ano. Ao mesmo tempo o cineasta intercala o filme com imagens históricas da URSS, e mostra a decadência do império comunista, que começava a definhar ao mesmo tempo que a filha crescia. Traça também um paralelo entre sua filha e um personagem de um outro filme seu, crianças a viverem em uma Rússia de tempos diferentes.
Apesar do cineasta deslizar às vezes devido a visões muito conservadoras na hora de criticar o regime comunista, como dizer que o que faltava na URSS era Deus, pois na falta de fé (o regime era ateísta) a população via líderes como divindade e até mesmo revelar nas entrelinhas um certo saudosismo em relação à Rússia monárquica de antes da revolução (monarquia absolutista dos czares); Mikhalkov fez um filme belo onde o tempo é o principal personagem e que de fato ajuda a compreender um pouco a Rússia e o regime.
Filmado de maneira clandestina num período de grande repressão e censura, o diretor comprava filme no mercado negro a alto custo, o que justificava as poucas horas de filmagens por ano. Já nos anos 90 ele finalizou o filme remendando as filmagens e acrescentando outras imagens. O resultado, um série de memorias a percorrerem o tempo e o espaço mostra o desenvolvimento da filha e sobretudo como o ambiente tinha papel nisso. Desde cedo a filha começa a mostrar traços ideológicos alinhados ao governo, a ponto de, ainda criança, chorar pela morte de líderes comunistas. De medo de bruxa ao medo de explodir uma guerra.
A URSS foi um império a viver de aparências. O socialismo ali praticado não condizia com o socialismo idealizado originalmente e por todo o país ainda havia pobreza e sofrimento. Mesmo assim, revela o filme, o povo não perdia sua identidade cultural, fé e sobretudo seu amor pela terra, um amor mais genuíno e menos pérfido que um simples patriotismo.
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