Um filme de Pedro Almodóvar.




Assim como a maior parte da obra almodovaresca, aqui temos um filme onde questões de sexualidade e gênero são abordados. Porém este assunto aqui é explorado de modo mais incomum, escorado no suspense, gênero que o diretor mostra certa dificuldade em trabalhar. Os frequentes personagens travestis, homens em sexo que se reconhecem como mulher ou desejam ser como uma, aqui dão lugar a um homem hétero preso contra sua própria vontade na pele de uma mulher. Em comum esses personagens têm o fato de estarem desconfortáveis com sua situação de não se reconhecerem em seus próprios corpos. Desconstrução absoluta.
Acontece que esta trama, e também todas as várias subtramas, carregam um absurdo exagerado, que choca mas logo nos deixam completamente incrédulos.


Além destas questões de gênero, vingança e bioética aparecem no texto vindas de um cientista louco. Aliás, não parece haver um personagem "normal" aqui. Todo mundo com hábitos estranhos, falas proferidas com a frieza de psicopatas. Toda a gente excêntrica. Tudo bizarro. Cenas que seriam tensas, brutais, chocantes, geram risos, ora desconfortáveis (ali há sim humor negro) ora de escárnio. No final nem há a empatia do drama, nem a surpresa do suspense, nem o horror da violência. Só um mal estar deixado pelas risadas.


O filme peca também na montagem. Para começar a trama melhor funcionaria se fosse linear, mas ela volta e avança no tempo. Isso é desnecessário e só serve para deixar o filme confuso. A conhecida fotografia de Almodóvar, colorida, alegre, de tons quentes, aqui, com raras excessões, é asseptica, fria. A nudez sempre explorada com enorme sensualidade, aqui, sob uma luz fluorescente de um consultório, pouco tem de sensual. Aliás é também o menos sensual dos filmes que já vi do cineasta. Se limita a Elena Anaya metida num colant bege a fazer ioga e uma decoração de pinturas de nus femininos. A trilha sonora, porém, é legal.
Depois de tantas ótimas obras não é qualquer deslize que vai queimar o filme de Almodóvar, mas ele tem sim momentos bem melhores.
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