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domingo, 11 de janeiro de 2015

Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood) - 2014; filmagem de uma vida

Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood), lançado em 2014.
Um filme de Richard Linklater.
Linklater, um dos melhores e mais sensíveis cineastas das últimas duas décadas, diz que Boyhood será o último filme de sua carreira. Supondo que ele cumpra a promessa, o diretor da trilogia Antes do Amanhecer encerrou com chave de ouro sua vida profissional. Boyhood fez funcionar uma ideia que muitos outros não conseguiram e que até Kubrick cogitou colocar em prática: rodar um filme acompanhando o envelhecimento dos atores. Filmado durante 11 anos, com o mesmo elenco, o filme acompanha o processo de crescimento/amadurecimento de duas crianças - em especial um garoto - filhas de um casal divorciado.

Mason Jr. (Ellar Coltrane) é filho de Olivia (Patricia Arquete) e Mason (Ethan Hawke) - divorciados - e irmão caçula de Samantha (Lorelei Linklater). Ele vive com a mãe e a irmã e cresce entre constantes mudanças de cidade, vendo o pai apenas eventualmente. De seus 6 aos 18 anos, acompanhamos os momentos marcantes de sua vida, que se funde aos momentos da vida de seus familiares e com o contexto socio-econômico-cultural.

Boyhood não tem uma premissa original. Inúmeros filmes tratam do processo de crescimento, amadurecimento ou envelhecimento humano (alguns de forma antinatural; caso de O Curioso Caso de Benjamin Button); vários outros fazem um estudo da mudança que uma família sofre ao longo dos anos. A duração da trama varia, de alguns meses, como no ótimo Educação, a várias décadas, como no excelente Laços de Ternura. A diferença, sobretudo com relação a este último, é que Boyhood acompanhou o processo natural de crescimento de um ator. Durante 11 anos, sem mudar ninguém no elenco. Também esta ideia já foi colocada em prática algumas outras vezes, poucos durante tanto tempo, menos ainda que deram certo. Boyhood brilha.
Brilha na parte técnica e visual (não é novidade que Linklater sabe criar incríveis planos), na trilha sonora belíssima (as músicas ajudam a identificar em que ano ocorre cada trecho de filme) e sobretudo em seu significado: é emocionante ver Mason crescer, ver o adulto que se torna.

Apesar da produção desafiante, Boyhood não tenta ser imponente e grandioso. Tanto que custou uma merreca. Acredito que Linklater fez este filme sem pretensão de impressionar; ele queria filmar a vida humana, tão banalmente como seria uma vida real, sem grandes dramas cinematográficos, apenas os acontecimentos rotineiros pelos quais todos passamos: conflito com pais, mudança de círculos de amigos, despertar sexual, primeiro contato com álcool e cigarro. Em entrevistas ele dizsse que o filmou assim porque não poderia imaginar seu filme de outra forma, não seria um filme verdadeiro. O cineasta sabe do poder do passar o tempo, e já explorara isso em sua trilogia romântica, com filmes feitos com nove anos de diferença, e também em outras obras suas.
O tempo flui na obra sem qualquer indicação verbal. É nas variações de feições, cortes de cabelo e peso do elenco que vemos os anos passarem. É assustador como nós mudamos fisicamente durante a adolescência. Eventos como a invasão do iraque, lançamento de livros do Harry Potter, a eleição de Obama e a crise de 2008 ajudam a situar o filme no tempo.

Também mudamos por dentro, emocional e psicologicamente falando. O garotinho doce e ingênuo se torna num adolescente rebelde que pinta as unhas e bebe escondido e depois num jovem adulto maduro e inteligente. A menina que imitava o cinismo de pseudo-celebridades se torna adulta e universitária depois de sua fase adolescente. A mãe amargurada com o ex sofre nas mãos de um homem abusivo, se torna mais tolerante, racional e forte. O jovem pai que vive como um adolescente numa república, eventualmente quer formar outra família. Contudo continuamos a ser a mesma pessoa que éramos.
Saramago, em seu primoroso Ensaio sobre a cegueira (1995) escreveu: 

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".

Linklater, em seu primoroso Boyhood nos diz que essa coisa sem nome se modifica com o tempo, mas não deixa de existir nem perde sua essência principal.

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