Um filme de Benh Zeitlin.
Indomável Sonhadora (título brasileiro infeliz, em Portugal é a tradução do incrível original: Bestas do Sul Selvagem) é construído em cima de uma espécie de realismo mágico, como o do Nobel de Literatura García Marquês. Mistura uma crítica à uma dura realidade com algo de onírico, de fantasioso. O resultado é poderoso.
Numa ilha da Lousiana, denominada "A Banheira", metida numa espécie de mangue e isolada por uma barragem, vive uma população constantemente ameaçada pelo nível da água. Apesar de muito pobre, a sociedade sobrevive esquecida pelo governo e num forte senso de cooperação. Ali vive Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) e o pai. Ela cresce aprendendo a se virar sozinha e amar sua terra; ele está doente. Uma tempestade alaga a ilha, fazendo com que boa parte da população migre. Mas os dois continuam.
Zeitlin faz críticas sociais ao mesmo tempo que faz um interessante estudo de seus personagens, aproveitando ainda para alertar sobre os problemas causados pela degradação da natureza. Metidos num ambiente sujo e miserável, em meio à lama, animais e algum lixo (e essa insalubridade parece ser aumentada por uma fotografia levemente acinzentada) essas pessoas tem uma forte ligação com a terra, com suas casas.
Na mídia brasileira sempre há casos de moradias ou áreas interditadas pela defesa civil devido a riscos de desmoronamentos ou alagamentos. Mas mesmo com os riscos essas pessoas se recusam a deixar as casas, por não terem outro lugar para ir e levar suas coisas e também por não quererem abandonar o que sempre chamaram de lar. É mais ou menos nessa situação que vive os habitantes da Banheira, a água entra por baixo da porta mas se recusam a deixar o lugar onde vivem. Precariamente, é certo, mas onde sentem-se livres. São as feras sem domesticação.
Isso ajuda entender a garra daquelas pessoas, que não querem nada mais além do direito de sobreviver e viver como quiserem, que apenas desejam seu lugar no mundo. Então aparece o pai de Hushpuppy, que apesar de a início nos parecer um pai negligente, cruel e cabeça dura, na verdade destila amor pela menina, tentando apenas protegê-la do que ele acha que deve protegê-la.
Mas nada no filme surpreende mais que pequena Quvenzhané Wallis (sinceramente não sei qual é pronúncia para esse nome), nativa do sul da Lousiana. Tinha apenas 5 anos quando fez o teste para o papel e foi escalada. A menina ganhou diversos prêmios mundo afora, e uma indicação ao Oscar (até agora a atriz mais jovem a conseguir tal indicação). Em cada olhar, em cada careta, cada grito, a menina chama a atenção para si, e parece dizer, Eu tenho o poder, olhe para mim. Ela passa uma incrível sensação de coragem, persistência, força, mas também de melancolia, esperança, doçura e inocência. Seus cabelos rebeldes, no melhor dos sentidos, são uma juba de leão.
Só para ver do que foi capaz essa menina, o filme já merece ser assistido.
#ficaadica
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