Um filme de Peter Weir.
A ideia dos reality shows nasceu ainda nos anos 70, embora sua maior
exploração tenha começado no final dos anos 80, época em houve uma greve
de roteiristas nos EUA, obrigando os canais a encontrarem alternativas
que não precisassem de scripts. Mas seu verdadeiro auge foi no início
dos anos 2000, logo depois deste filme.
Não faz muito tempo a Rede Globo exibiu uma série de Miguel Falabella chamada A vida alheia. Nela acompanhávamos as intrigas por trás de uma revista de fofoca homônima, cujo slogan era "A vida alheia é mais interessante que a sua". Essa frase poderia ilustrar a premissa de The Truman Show. Mas muito mais que um filme divertido que critica esse nosso interesse pela vida que não nos pertence, ele levanta uma reflexão sobre a liberdade individual e o livre arbítrio.
Jim Carrey é Truman, um astro de um reality show. Sua vida inteira foi televisionada para o mundo todo, que o viu nascer e crescer. Ele vive numa cúpula onde existe uma cidade falsa, criada exclusivamente para ele. Cada segundo de sua rotina é filmada e transmitida a todo o planeta. No entanto ele não sabe disso, acredita ter uma vida normal como a de qualquer outro ser humano. Todos seus contatos são atores. Mas quando ele começa a perceber que sua vida é uma farsa o mundo parecerá conspirar contra ele, tentando impedir que ele faça descobertas que possam trazer a verdade à tona.
Minha experiência com Peter Weir não é das melhores, até hoje seu horroroso Sociedade dos Poetas Mortos está entalado em minha garganta, não consigo engolir aquele filme azedo. Mas agora houve, talvez, uma expiação: O show de Truman é delicioso. Embora o diretor quase tenha cometido a estupidez de colocar Robin Willians no papel de Truman (felizmente ele encontrou Jim Carrey, sou incapaz de ver o personagem na pele de outro ator), ele guia seu filme no ritmo certo e encontra um bom equilíbrio entre humor, crítica afiada e drama. Ele critica a indústria do entretenimento e o público que prefere a vida alheia.
Jim Carrey está na sua melhor forma. O modo como Truman nos causa empatia e ao público do reality show é incrível. É impossível não ficar inquieto no sofá na cena em que ele tenta fugir de carro. Torcemos o tempo todo para que ele tenha um final feliz. Mas para isso ele precisa se libertar da mentira que é sua vida.
Ed Harris, magnífico no papel, é o criador do reality, um homem misterioso que por dinheiro privou Truman da liberdade.
Todos nós crescemos num meio um tanto repressivo. Todas as sociedades, desde os ingleses até as tribos nativas de Papua-Nova Guiné tem em sua cultura leis, códigos, tabus e convenções que condenam certas ações e pregam outras. Noutro filme, Não me abandone jamais, vemos como nossa criação enraíza conceitos e valores que muitas vezes aceitamos calados e sem reflexão. Em O show do Truman vemos como é fácil sermos manipulados. O meio nos molda, e ir contra ele é pedir dor de cabeça e sofrimento. Quem não esconde algum segredo, por menor que seja, por saber que se fosse revelado nos colocaria em uma situação em que seríamos julgados? Quem num dia escaldante já não ficou com vontade de sair para a rua nu como veio ao mundo? Ou quem nunca enfrentou uma cara feia por discordar do senso comum? O sofrimento de ter pensamento próprio pode valer a pena às vezes, uma dor que é para alegrar. Mas noutras vezes só gera exclusão e mais dor. No fundo nossa liberdade não é assim tão plena, mas pelo menos ainda estamos melhores que o protagonista.
#ficaadica
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