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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Dois Dias, Uma Noite (Deux jours, une nuit) - 2014; o capitalismo e seus venenos

Dois Dias, Uma Noite (Deux jours, une nuit), lançado em 2014.
Um filme dos Irmãos Dardenne (Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne).
Mais um filme que ganhou grande visibilidade assinado pelos irmãos Dardenne. Contrariando seus costumes, que é o de usar atores ainda anônimos, chamaram a oscarizada Marion Cotillard para dar vida a essa personagem comum, que é o retrato do trabalhador mundial diante do sistema capitalista.

Sandra (Cotillard) trabalha num fabricante de painéis solares e fica afastada por um tempo para tratar uma depressão profunda. Quando retorna descobre que a empresa fez uma votação entre os funcionários para decidirem se ela permanecia no emprego ou eles ganhariam um abono salarial, e naturalmente a segunda opção venceu. Então ela consegue que uma segunda votação seja realizada na segunda-feira. No fim de semana, abalada pelo drama e por vestígios da depressão, ela precisa visitar os colegas um a um para tentar convencê-los a mudarem o voto a favor de seu emprego.
O realismo conhecido dos cineastas aparece aqui de modo mais comovente que nunca. Sem cair em maniqueísmos e melodramas, lança um olhar humano e intimista sobre uma mulher que precisa recuperar a autoestima após uma crise depressiva e lutar para manter seu emprego.

A Bélgica é um dos países mais socialmente desenvolvidos do planeta, onde o índice de desigualdade é dos menores que existem, o IDH é muito alto e as pessoas tem boa renda. Mesmo assim, lá também existem problemas, ainda mais numa Europa em crise e a União Europeia mostrando cada vez mais para o que veio: fortalecer o poder regional de países muito ricos como Alemanha e Reino Unido e subjugar os mais pobres como Portugal, Grécia e Espanha. Assim em nome de corte de gastos e tempos difíceis a empresa pode escolher entre mandar embora uma funcionária e aumentar a jornada de trabalho e o salário dos que ficam.

Quando Cotillard sai de porta em porta a pedir que os colegas mudem o voto para que ela fique (abrindo mão do abono) acaba-se por descobrir ou até evidenciar/excitar os nuances da vida dos colegas: divórcio, dificuldades financeiras, relações conturbadas entre familiares. Sempre se houve os dois lados: para Sandra manter o emprego, os colegas precisam fazer sacrifícios. Nenhuma das partes, porém, é responsável por criar essa situação em que alguém sempre vai perder. No fim o que se revela é que no mundo individualizado atual, ainda pode existir alguma solidariedade.

O maior mérito do filme é extrair de Cotillard todo seu talento, num papel tão comovente quanto fez em Piaf. Seus gestos, postura e expressões faciais são muito bem trabalhadas para representar bem a mulher fragilizada que é obrigada a "se humilhar" diante dos colegas. Toda a dor ou empolgação a cada resposta é destilada nos olhos dessa linda e competente atriz.
O resto é o conhecido dos Dardenne, tão bom aqui quanto nos outros filmes: fotografia natural, câmera na mão, ausência de trilha sonora, ótima direção dos atores. Filme obrigatório na filmografia desses dois gênios.