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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A Liberdade é Azul (Trois couleurs: Bleu) - 1993; tristeza não tem fim, felicidade sim

A Liberdade é Azul (Trois couleurs: Bleu), lançado em 1993.
Um filme de Krzysztof Kieślowski.

Bleu é o primeiro filme de uma trilogia filmada pelo polonês Krzysztof Kieślowski no início da década de 90. A essa altura o cineasta já era conhecido por outros filmes e uma minissérie televisiva. Trois Couleurs, nome da trilogia, é baseada na bandeira francesa e nos ideais da Revolução Francesa que deram origem à ela: "Liberté, égalité, fraternité"("Liberdade, igualdade, fraternidade").

Julie (Juliette Binoche) sofre um acidente de carro no qual estavam também sua filha e seu marido, um famoso maestro e compositor de música erudita. Como única sobrevivente ela entra num processo de depressão e amargura, cogita suicidar, e por fim se muda da antiga casa sem dar notícias de seu novo paradeiro a ninguém. Enquanto isso ela se envolve com um amigo de seu falecido esposo que também é músico e que tenta terminar uma composição - que celebra o fim da Guerra Fria - iniciada pelo marido de Julie.

Quando eclodiu no final do século XVIII a Revolução Francesa tinha enorme influência dos ideais iluministas. Mas eram ideais, que são sempre diferentes da realidade. Duzentos anos depois Kieślowski filmou essas obras de modo a desmitificar em parte esse idealismo. Não que liberdade, igualdade e fraternidade sejam coisas ruins, mas também tem suas limitações e nem sempre alcançar uma ou mais delas conduz o indivíduo para a felicidade - na trilogia o diretor procura mostrar esses conceitos não sob uma ótica política e social, mas individual, seus efeitos diretos numa pessoa.
Nesse sentido Azul trata da liberdade. Mas o que é a liberdade? Para Julie é não estar presa ao passado, a pessoas e a objetos. É tentando fugir da dor, do luto, que ela deixa para trás tudo o que possuía em sua vida antes do acidente. E na nova vida que ela planeja ter não há espaço para novas amarras materiais ou afetivas, que em determinado momento ela diz serem armadilhas. Mas esse desejo de ser livre a conduz a mais sofrimento e solidão, talvez de modo maior até que o que acontece no excelente Sem teto nem lei que Varda filmou sobre liberdades amargas. O ser humano, por natureza, quer segurança e quer ter onde se amarrar (é daí que surge o "amor familiar", o patriotismo, fanatismos).

Binoche, excelente atriz, conduz muito bem sua personagem. Ela tem sempre um olhar vazio, um ar de tristeza enorme mesclada a solidão e algum rancor, sem falar em sutilezas sensíveis de sua atuação. Até algum raro sorriso seu é triste. Tamanha dor é intensificada pelos closes em sua face e olhos.


Quem mais nos conduz por essa lenta narrativa - assim como corre devagar o tempo para a Julie sem alegrias - é a trilha sonora e a cor. A trilha (linda), suave ou trágica não só sinaliza os momentos de maior desespero ou melancolia da personagem como também tem papel crucial no que sente. A música de seu falecido marido é famosa e às vezes chega em seus ouvidos contra sua vontade, lhe trazendo lembranças que ela não gostaria de ter. Já a cor azul predomina de longe ao restante da paleta. Azul é a cor da tristeza, da melancolia e Julie fica imersa nessa cor. Filtros azuis, iluminação azulada, cenários e figurinos azuis ou com detalhes dessa cor são constantes. Ainda sobre a fotografia há closes também em objetos e as vezes os cenários vazios são explorados com imagens estáticas. Bleu é muito poético, em sentimento e em visual. É um filme belíssimo e intenso que merece sua atenção. Na humilde opinião deste que vos escreve também é o melhor da trilogia, embora a maior parte das pessoas considere o último como o melhor e o próprio diretor preferia o segundo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Um Mundo Perfeito (A Perfect World) - 1993; é preciso julgar as pessoas num contexto

Um Mundo Perfeito (A Perfect World), lançado em 1993.
Um filme de Clint Eastwood.
Eastwood ainda estava na sombra do sucesso de Os Imperdoáveis quando lançou este filme, que; na posterioridade acabou ficando um tanto ofuscado em meio ao restante da filmografia do diretor. Apesar disso o filme na época teve uma bilheteria grande. Mesmo alguns deslizes pontuais, está entre as boas obras do cineasta.

Dois homens fogem de uma prisão texana no início dos anos 60. Um deles invade uma casa e acabam se metendo num escândalo que os obriga a fugirem com um garotinho que vivia na casa como refém. O garoto e um dos fugitivos, Butch (Kevin Costner), criam certo vínculo e eles percorrem todo o estado fugindo da polícia em direção ao Alaska. A perseguição é liderada pelo chefe "Red" (Eastwood) e pela criminologista Sally (Laura Dern).

Mistura de road movie com gênero policial e remetendo a western, A perfect world é um filme sobre a criação de laços e sobre paternidade (ou, de certo ângulo, uma desconstrução da paternidade). O que move o filme é uma empatia que o público sente pelo protagonista e criminoso Butch. Ele é um assassino, um fugitivo, mas cativa ao tratar tão bem Philip, seu refém. Essa relação de amizade (ou de pai-filho) que se desenvolve entre eles é fruto, principalmente, de uma semelhança entre os dois: ambos cresceram sem o pai. O garoto ainda é criado numa família de Testemunhas de Jeová e por isso sofre algumas privações tolas como não poder andar de montanha-russa ou brincar no Halloween, o que faz dele triste e demasiado inocente. Num geral Eastwood comanda essa criação de laços de forma bastante natural e convincente, mas é inegável que em certos momentos pontuais a coisa pende para a pieguice ou fica no mínimo pouco crível. Isso, no entanto, não chega a desgastar muito a obra. Também há de se dizer que alguma eventual pretensão de comédia ou ação na maioria das vezes também não agrada.


Enquanto o garoto e os criminosos avançam o estado, atrás deles vai um núcleo policial a persegui-los. Nele um xerife durão, convencido pela "criminologista" e psicóloga Sally, tenta se colocar no lugar do criminoso para não só entender a motivação de seus crimes como também prever seus passos. Ao fazer esse exercício de empatia (e se lembrar do passado em que teve um breve contato com a vida de Butch) ele vai entender que o mundo não é maniqueista, todas as pessoas são ambíguas e ambivalentes, e, claro, o mundo não é perfeito. O que Eastwood tenta mostrar de maneira discreta é que o bem e o mal são conceitos que diferem de pessoa para pessoa e disso podem surgir injustiças.

A fotografia em tom um tanto frio, comum na filmografia do cineasta, está lá em meio a planos e movimentos de câmera discretos. A trilha sonora também é discreta e não chega a forçar sentimentos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Anna dos 6 aos 18 (Anna ot 6 do 18) - 1994; a queda da URSS

Anna dos 6 aos 18 (Anna ot 6 do 18), lançado em 1994.
Um documentário de Nikita Mikhalkov.
Quando Boyhood estourou mundo afora logo surgiram comparações com este filme/documentário até então muito pouco conhecido. Assim como o filme americano, esse documentário russo também foi filmado durante 12 anos, também acompanhando o crescimento de uma criança. Por um lado Boyhood é ficção (embora o mesmo ator, crescendo, interpreta um mesmo personagem, que é o charme maior da obra) enquanto Anna acompanha o crescimento da filha do cineasta, Anna.

Durante 12 anos Mikhalkov filma a filha, entre seus seis e dezoito anos, uma vez ao ano, quando repete algumas mesmas perguntas. Naturalmente as respostas variam ano após ano. Ao mesmo tempo o cineasta intercala o filme com imagens históricas da URSS, e mostra a decadência do império comunista, que começava a definhar ao mesmo tempo que a filha crescia. Traça também um paralelo entre sua filha e um personagem de um outro filme seu, crianças a viverem em uma Rússia de tempos diferentes.

Apesar do cineasta deslizar às vezes devido a visões muito conservadoras na hora de criticar o regime comunista, como dizer que o que faltava na URSS era Deus, pois na falta de fé (o regime era ateísta) a população via líderes como divindade e até mesmo revelar nas entrelinhas um certo saudosismo em relação à Rússia monárquica de antes da revolução (monarquia absolutista dos czares); Mikhalkov fez um filme belo onde o tempo é o principal personagem e que de fato ajuda a compreender um pouco a Rússia e o regime. 

Filmado de maneira clandestina num período de grande repressão e censura, o diretor comprava filme no mercado negro a alto custo, o que justificava as poucas horas de filmagens por ano. Já nos anos 90 ele finalizou o filme remendando as filmagens e acrescentando outras imagens. O resultado, um série de memorias a percorrerem o tempo e o espaço mostra o desenvolvimento da filha e sobretudo como o ambiente tinha papel nisso. Desde cedo a filha começa a mostrar traços ideológicos alinhados ao governo, a ponto de, ainda criança, chorar pela morte de líderes comunistas. De medo de bruxa ao medo de explodir uma guerra.

A URSS foi um império a viver de aparências. O socialismo ali praticado não condizia com o socialismo idealizado originalmente e por todo o país ainda havia pobreza e sofrimento. Mesmo assim, revela o filme, o povo não perdia sua identidade cultural, fé e sobretudo seu amor pela terra, um amor mais genuíno e menos pérfido que um simples patriotismo.