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sexta-feira, 27 de março de 2015

Como era verde o meu vale (How Green Was My Valley) - 1941; decepcionante

Como era verde o meu vale (How Green Was My Valley), lançado em 1941.
Um filme de John Ford.
Um dos mais conhecidos de John Ford, Como era verde o meu vale;é baseado no best-seller homônimo de Richard Llewellyn. Conta, pelos olhos e narração de uma criança, a fragmentação de uma família de mineiros numa vila galesa do início do século XX. Lembrado sobretudo por tirar o Oscar de melhor filme de Cidadão Kane - melhor e mais inovador - o filme tem suas qualidades e poesias, mas apesar de ser um clássico também deixa muito a desejar.


Huw, um garoto, vive com os pais e cinco irmãos numa vila no País de Gales, onde a economia é baseada numa mineradora. Quando numa vila vizinha uma metalúrgica quebra, os empregados demitidos se oferecem para trabalhar na mina, o que leva a uma redução de salário para os mineiros e demissões em massa. Diante da crise os mineiros armam uma greve. Uma irmã de Huw se apaixona por um padre mas casa com o filho da mina. Huw e sua mãe sofre um acidente que os deixam de cama por meses e Huw ainda tem uma paixão platônica infantil pela cunhada.


Assim como Vinhas da Ira, também de John Ford e lançado apenas um ano antes, Como era verde meu vale é sobre uma família em tempos de crise. Se, porém, no primeiro temos altas doses de realismo, um drama amargo sobre a miséria humana e a desigualdade, em How Green...;parece haver um certo otimismo quanto ao futuro, um sentimento de nostalgia em relação a zonas rurais do passado, infância romantizada e um punhado de cenas e falas cômicas que não deveriam estar lá (tem até uma vendedora de doces que mais parece uma bruxa de filmes infantis). Mas ambos possuem suas "mãezonas", filhos com tendências socialistas e todo um retrato de um período e de uma sociedade.

Numa vila britânica com estilo de vida rural da primeira metade do século XX é natural que fofocas, pré-julgamentos, rejeição doentia contra o socialismo, e escandalização social diante de uma possibilidade de divórcio sejam observados. E, de fato, Ford procura mostrar esses pormenores da vida de seus personagens. Há de se observar também o sentimento de solidariedade que existe em pequenas comunidades como um todo. Mesmo que filmes como Dogville estejam aí para denunciar que nem tudo é altruísmo, ninguém pode negar que nesse tipo de lugar há um certo sistema de cooperação, ainda que frágil. E isso também é mostrado aqui. A fragilidade dessas boas relações. Na fartura, companheirismo, paz e tolerância. Em tempos de crise é cada um por si. Sobram, quando muito, as famílias.

Ainda assim há fragmentações. Ainda mais nesta família de estrutura patriarcal. Acaba havendo espaço para o conflito entre pais e filhos. Sonhos e ideologias mudam com as gerações. Isso a música, o cinema e a literatura já cansaram de nos ensinar. Aqui tudo materializado numa fotografia viva e agradável, com alguns raros travelings e enquadramentos amplos.

Porém o filme falha em vários aspectos. Sem mencionar o overacting típico da época, que aqui parece soar ainda menos crível, sobram personagens muitas vezes estereotipados, que não cativam em momento algum (é fácil ficar indiferente às desgraças e alegrias que acontecem a eles) e ações igualmente falsas. Hum é chato, desinteressante. Há algo de ruim com o cenário também. Claramente montado em estúdio, na fotografia ele parece irreal. Ver a vila com perspectiva não é gratificante. E o horizonte e o céu, qualquer um percebe serem painéis.

Com certeza John Ford tem filmes melhores.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Este filme ainda não foi classificado (This Film Is Not Yet Rated) - 2006; a falta de escrúpulos da MPAA

Este filme ainda não foi classificado (This Film Is Not Yet Rated), lançado em 2006.
Um documentário de Kirby Dick.
"Não queremos limitar o artista de cinema.Queremos dar ao artista a liberdade para fazer os filmes que querem fazer. Mas não queremos que seja totalmente livre".

Esta frase saiu da boca de um clérigo membro da comissão de recursos da MPAA, enquanto entrevistado nesse documentário de Kirby Dick.

This Film Is Not Yet Rated investiga o sistema de classificação indicativa de filmes, realizado pela Motion Picture Association of America - organização supostamente sem fins lucrativos controlada pelas grandes produtoras - desde 1968.  Um filme classificado com NC-17, a mais alta, mais censora, sofre graves problemas de distribuição. Cinemas se recusam a assisti-los e certas lojas se recusam a vender as mídias. Kirby Dick resolveu investigar por quem e como essas classificações são realizadas. E descobriu muita falta de ética e de transparência.

A produção do filme contrata uma agência de detetives para investigar quem são as pessoas por trás da classificação - o nome desses avaliadores são mantidos em segredo, assim cineastas têm suas obras avaliadas por pessoas que nem sabem quem são. O idealizador e presidente da MPAA, Jack Valenti, dizia que os nomes eram segredo para evitar pressões e lobby, e que os avaliadores eram todos "cidadãos comuns" dos Estados Unidos com filhos entre 5 e 17 anos e que ficavam no cargo por no máximo cinco anos. Não demora muito para que as detetives descubram quem são essas pessoas. A maioria tem filhos com mais de 20 anos, alguns nem filhos têm, boa parte está a mais de cinco anos no cargo e estas pessoas que não deviam se conhecer são até mesmo vizinhos ou saem para comer juntos. A comissão de recursos - um cineasta pode recorrer da primeira classificação que seu filme recebeu - por outro lado é composta de clérigos, executivos das grandes produtoras ou distribuidoras e até donos de redes de cinemas. Tudo bem diferente das descrições de Valenti.

Quem sai prejudicado nessa maracutaia toda acaba sendo o cinema independente, que é alheio às grandes corporações midiáticas. E que sempre se reinventa e aborda temas polêmicos ou controversos que o cinema comercial não explora, que inclui violência e sexualidade. Logo se percebe que o cinema independente é mais vetado.


Dick entrevista cineastas independentes, que já tiveram problemas ao receberem NC-17 em suas obras. Faz comparativos de filmes classificados com NC-17 e outros com outras classificações. Entrevista ex-avaliadores, jornalistas e críticos de cinema. Claramente se percebe que a MPAA veta mais conteúdo sexual do que violência explícita (uma das entrevistadas até comenta que é o contrário do que ocorre na Europa, onde as organizações ou governos vetam violência e são mais permissivos em relação ao sexo), veta mais o conteúdo sexual gay do que o hétero, veta mais o prazer ou orgasmo sexual feminino que o masculino, entre outros tipos de censura que mais têm de conservadoras e preconceituosas do que de preocupadas com o público e lógicas. Sem falar que há uma pressão por parte dos militares para que sejam censurados filmes onde eles são "desmoralizados" (filmes de guerra onde não são mostrados como heróis)

Com bom humor, mas sem medo, este documentário mostra porque não se deve dar muito crédito ao trabalho do sistema de classificação da MPAA. Obviamente o documentário recebeu uma NC-17 da organização que critica, mas optou-se pelo selo unrated (sem classificação indicativa). Isso não impediu a ovação em Sundance.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Se... (if....) - 1968; como se moldam as tragédias

Se... (if....), lançado em 1968.
Um filme de Lindsay Anderson.
Um dos mais famosos filmes britânicos dos anos 60, if...., vencedor da Palma de Ouro, filmado por um dos precursores da Britich New Wave, Lindsay Anderson, traz Malcolm McDowell, em seu primeiro papel no cinema, na pele de um revolucionário.

Numa escola pública (porém paga e só frequentada pelas classes altas) interna e masculina da Grã-Bretanha, há inúmeras regras tolas, professores e tutores abusivos. Violência e intimidação entre os alunos também é frequente Mas um trio do penúltimo ano, liderado por Mick Travis (McDowell), rapaz de ideais revolucionários violentos, planeja um ataque.

if.... chocou a Grã-Bretanha imediatamente. Além de classificado para maiores de 18 anos, o filme foi alvo de críticas de diversos políticos que o consideraram uma afronta ao país. E de fato o filme de Anderson - um crítico de cinema que começou a filmar e acabou sendo um dos fundadores da New Wave daquele país, um dos ecos da Nouvelle Vague francesa - critica sobretudo os valores morais e tradicionalistas do Reino Unido. Uma terra que até hoje é lembrada quando se fala em regras sociais e de etiqueta absurdamente exageradas e estúpidas.

Filmado no contexto do pós Maio de 68 e da explosão da contra-cultura que influenciou profundamente todas as vertentes artísticas, do cinema ao grafíti, passando pelo teatro, artes plásticas e música popular, Se... ataca o conservadorismo da época e o modo que a Academia passava conhecimento mastigado e perpetuava tradições em vez de ser um ambiente de debate, inovação e trocas de ideias. Como um ambiente profundamente repressor e impessoal pode abalar a personalidade de uma pessoa. Se... já profetizava massacres como o de Columbine, ocorrido em 1999 e que inspirou o também ganhador da Palma, Elefante.

O filme é dividido em oito "capítulos". Num deles, "Discipline", uma das cenas mais fortes e tensas da obra marca presença. Numa cena longa e praticamente sem cortes, vamos os três protagonistas serem castigados com chicotadas pelos coordenadores (alunos formados responsáveis pelos estudantes), devidamente planejadas de forma que os outros alunos ouvissem os golpes, de modo a intimidá-los também. Praticamente todos os professores e funcionários do internato são hipócritas, incompetentes, tratam os alunos com descaso e há até relações pedófilas que sequer são acobertadas. Alunos mais velhos ou fortes praticam bullying contra os mais suscetíveis.
É nesse ambiente pouco saudável - porém tradicionalista e bem-visto pelos pais dos alunos e do resto da sociedade - que os alunos são moldados como seres humanos e cidadãos. Naturalmente eles procuram os meios possíveis para afirmar sua individualidade enquanto crescem, recorrendo à rebeldia, às bebedeiras e ao despertar sexual, tão evidente na cena surrealista em que Travis luta nu contra a garçonete, quando o trio vê revistas pornográficas ou na figura de Phillips, garoto de aparência mais ou menos andrógina que é tanto alvo quanto fonte de desejos e que vai se juntar ao grupo terrorista.

A obra conta com sequências em preto-e-branco, que muitas das vezes, mas não todas, são em cenas absurdas, surrealistas. A lenda é que o dinheiro acabou e cenas faltantes tiveram que ser filmadas sem cor. Independente de cor, Anderson faz sempre planos longos com uma câmera na mão, porém estática, quase sem as tremulações típicas. Impossível também não fazer um comentário positivo sobre o desempenho de McDowell. Sempre confrontando as regras com uma expressão irônica, ele chega ao final com um olhar carregado de ódio. Pouco depois ele seria realmente imortalizado na pele do ainda mais perturbado Alex, no Laranja Mecânica de Kubrick.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Os 10 filmes mais deprimentes

Desde que surgiu, o cinema tem explorado dramas humanos. Tragédias, amores não correspondidos, perdas. E como todo o resto, estes dramas evoluíram ao longo do tempo, ficando cada vez mais intensos, sofisticados, deprimentes.

Esta lista, que só engloba os filmes que já assisti e estão resenhados neste blog (portanto, como qualquer outra lista, não é definitiva muito menos unânime) lista uma dezena de filmes que tem um poder muito grande para fazer o público se deprimir e refletir sobre a própria vida e sobre a sociedade. Não são os mais tristes e chorosos, e sim os mais intensos e amargos. 
Não estão em nenhuma ordem especial.


Biutiful
Drama pesado de Iñárritu, Biutiful acompanha os últimos dias de um médium e criminoso com câncer terminal. Diante do pouco tempo que lhe resta, o personagem de Javier Bardem reflete sobre o que foi sua vida errante, tenta colar os cacos dela e deixar os filhos preparados para sua morte. Não sem antes aumentar suas culpas.

Um conto de vida e morte que também explora a questão da desigualdade social, da xenofobia e dos transtornos psiquiátricos.

Vergonha
Vício. Vergonha.

Este filme de Steve McQueen (que é melhor que seu oscarizado 12 anos de escravidão) narra a rotina miserável de um homem viciado em sexo e incapaz de criar laços emotivos com uma mulher.
O sexo, ato dos mais prazerosos e estimados na vida de boa parte da população, aqui toma contornos frios, impessoais, mecânicos. O hedonismo se torna uma prisão. Em certo momento este homem é quase reduzido a uma imagem de seus genitais. É nisso que ele se torna, um ser controlado pelo próprio pênis. Um dos personagens mais comedores do cinema é também um dos mais deprimidos. A irmã que o visita não está melhor que ele, basta ver os diversos sinais que traz nos pulsos.

Vários são os questionamentos e reflexões que ficam ao final da obra, sobre vício, culpa, relações vazias, falta de perspectiva, vergonha de si próprio.

Sem teto nem lei
Um dos mais prestigiados trabalhos de Varda, Sem teto nem lei conta a história de uma andarilha, mais precisamente os últimos dias de sua vida, antes de cair numa vala e morrer de frio.

Este belíssimo filme trata de temas densos como solidão, existência e liberdade. A personagem rebelde que foge dos outros (tem medo de se envolver) e de si mesma trilha um caminho de autodestruição que é um verdadeiro reflexo de milhões de pessoas que se sentem diferentes, como se não pertencessem a este mundo.

Além desse estudo realista sobre a solidão, o filme ainda levanta reflexões sobre a morte (e como ela pode ser repentina), desigualdade social e o modo como somos vistos pelas outras pessoas, uma vez que a narrativa é criada a partir de depoimentos das pessoas que conheceram a personagem.

As Invasões Bárbaras
-Eu vou desaparecer para sempre. Se pelo menos eu tivesse aprendido algo... Me sinto tão inútil quanto no dia em que nasci. Eu não achei um sentido. É isso. Preciso procurar.Preciso continuar procurando.
-Nós fomos de tudo. Separatistas, independecialistas, imperialistas... imperialistas-associados.
-No começo, éramos existencialistas. Nós líamos Sartre e Camus. Depois Fanon, viramos anti-colonialistas.
-Lemos Marcuse e nos tornamos Marxistas. Marxistas-leninistas.
-Trotiskistas
-Maoistas.
-Depois de Solzhenitsyn mudamos de idéia. Éramos estruturalistas.
-Situacionistas.
-Feministas.
-Desconstrucionistas.
-Há algum "ista" que não tenhamos venerado?

Este diálogo de um grupo de amigos, um deles no leito de morte, é a síntese de toda uma geração  de jovens sonhadores dos anos 60, 70 e 80. Geração hoje velha e frustrada com os sonhos não realizados e utopias não implantadas.

Apesar de ter bastante humor, quando acaba As invasões bárbaras, sequela de um filme de 1986, o sentimento é de desilusão e frustração. Afinal, viemos ao mundo para quê? Que são os sonhos, a arte e as ideologias? Podemos ou não mudar o mundo? Se você morresse hoje, acha que a vida que você viveu valeu a pena?
São questionamentos existencialistas como estes que sobram.

A Insustentável Leveza do Ser
Belíssimo filme, em todos os sentidos. 
Baseado na obra homônima de Milan Kundera, é um filme bastante existencialista (assim como o romance), que trata sobretudo de nossas relações amoroso-sexuais.

Mais um filme que fala muito sobre solidão, ele traz um núcleo de quatro pessoas interligadas por relações de amor e sexo. Dois que padecem com a insustentável leveza de uma existência livre de compromissos, outros dois que padecem por amores cheios de expectativas frustradas.

O que fica claro no final é como o bem estar emocional é uma coisa muito frágil e dependente de outras pessoas.

Amor
A crueza com que Haneke filmou Amour chega a ser chocante. A película mostra a rotina de um casal de idosos depois que a mulher, na iminência de um AVC, passa por uma cirurgia preventiva que a deixa paralítica. Lhe sobra os cuidados do marido, que a ama mas não pode esconder as dificuldades pelas quais passa, visitas esporádicas da filha pouco atenciosa e o tempo ocioso esperando logo a morte.

Todo o desconforto causado pela velhice, a doença, a morte é destilada nessa obra premiada com a Palma de Ouro e o Oscar.

As horas
Mais feminino da lista, The Hours conta a história de três mulheres, de diferentes épocas, e a relação que têm com um livro em especial, Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.

Mulheres que partilham sentimentos de solidão, depressão e de fracasso e que assistem o tempo passar imersas num estado de introspecção e melancolia.

A tristeza das personagens é contagiante e continua mesmo depois do fim, devido aos temas filosóficos e existencialistas que permeiam a trama e fazem questionar qual a utilidade da vida humana, que sempre parece vazia de sentido.

Perdidos na Noite
Um de meus filmes prediletos, Perdidos na Noite vai além de ser um grande filme, inovador e primoroso. Um ritmo narrativo sofisticado, sequências de tirar o fôlego e o trabalho excepcional de dois grandes atores são só metade das qualidades deste longa. 

A trama gira em torno de dois amigos miseráveis vivendo em Nova York, longe dos cartões postais da cidade. Um deles deixou sua terra natal para, iludido por filmes de cowboy, se tornar um garoto de programa. Naturalmente uma ideia como essa, já potencialmente estúpida, não deu muito certo para um rapaz ingênuo e traumatizado por episódios de violência sexual. Acabado o último centavo, começa a vadiagem de Joe Buck ao lado de um golpista manco que antes o roubara.

Um filme sobre amizades improváveis, miséria e sobretudo sonhos frustrados e solidão urbana, onde há tanta gente e tão poucas que lançam um olhar.

Desejo e Reparação
-A minha irmã e o Robbie nunca tiveram o tempo juntos que tanto ansiavam e mereciam. E o qual, desde então, eu... Desde então sempre senti que fui eu que o evitei.

Baseado no best-seller de Ian McEwan, este é um estudo psicológico muito interessante.

Além do enredo dramático e intenso, ambientado durante a guerra, o filme trata do sentimento de culpa. Sem dúvida uma das emoções mais desagradáveis e fortes que uma pessoa pode sentir, o remorso, na maioria das vezes, não tem conserto. Dificilmente podemos expiar nossos erros. Voltar no passado para fazer diferente não é possível. 
Mas não é fácil conviver com a culpa, companheira que não raras vezes acompanha uma pessoa até o leito de morte.

Ao final dessa amarga porém deliciosa obra, o que nos resta é o sentimento de impotência diante dos fantasmas de nosso passado.

Nós que aqui estamos por vós esperamos
“Em uma guerra não se matam milhares de pessoas. Matam-se uns que adoram espaguete, outros que são gays, outros que namoram. Em uma guerra, acumulações de memórias são assassinadas”.
Cristian Boltanski

Esta é uma das mais impactantes citações da coletânea presente neste filme. Filme este que resgata algumas das memórias sobreviventes à toda a barbárie do século XX.

Brasileiro, é talvez um dos mais poéticos documentários já produzidos no mundo. Feito a base de fotografias antigas, recortes de filmagens e animações, a obra mostra a constante evolução da humanidade; como valores morais mudam, tecnologias nascem e como somos seres falhos e violentos. Mais que isso, mostra como nossa existência é um sopro na história do mundo - e na maior parte das vezes, um sopro irrelevante,
O nome do filme é uma citação presente sobre a entrada de um cemitério. Frase perfeita para ilustrar a inevitabilidade da morte.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Prisão de Cristal (Tras el cristal) - 1986; depravação humana

Prisão de Cristal (Tras el cristal), lançado em 1986.
Um filme de Agustí Villaronga.

Terror psicológico espanhol dos anos 80, Tras el cristal tem ganhado visibilidade na comunidade cinéfila nos últimos anos, após muito tempo de esquecimento. Um conto que mistura vingança, depravação e loucura para perturbar o público.


Klaus é um ex-médico nazista, que durante a guerra fazia experimentos sádicos com crianças judias. Com o fim da guerra ele se exila em Espanha, onde continua a torturar e matar garotos. Um dia, cheio de remorso, ele pula do telhado. Fracassa no suicídio, mas fica paralítico, incapaz de se mover e até mesmo de respirar sozinho. Então é colocado num pulmão mecânico primitivo, sendo cuidado pela esposa - que deseja vê-lo morto logo - e pela filha. Um dia aparece um rapaz misterioso chamado Ângelo, querendo ser o enfermeiro. A mulher o rejeita, mas Klaus insiste a ela que o rapaz fique por ter sido ameaçado por ele. Mas o jovem, testemunha e vítima dos abusos de Klaus, tem intenções malignas.

Primeiro filme de Villaronga, Tras el cristal  teve alguma visibilidade quando foi lançado e ganhou alguns prêmios em festivais europeus. Passou mais de um década esquecido e finalmente, com a popularização da internet, foi redescoberto. É um filme controverso por possuir temas como nazismo, pederastia, violência psicológica, submissão e troca de papéis. 
Embora haja cenas fortes envolvendo violência em sua forma mais crua e explícita, é o terror psicológico que mais abala e choca. A maior parte do enredo se passa dentro de um casarão mal-iluminado, repleto de sombras. O ambiente é pesado, triste, desconfortável. Ou a trilha sonora é sinistra ou praticamente só se ouve o som mecânico e sem vida do pulmão de ferro. Há sempre uma expectativa de que algo trágico está para acontecer, e minuto a minuto os objetivos de Ângelo vão se revelando. Cada personagem fica mais desequilibrado que outro. Destemperança que culmina no final inesperado.

Marisa Paredes, que faz a esposa Griselda, é o melhor do elenco. Paredes, que mais tarde se tornou uma das atrizes prediletas de Pedro Almodóvar, encarna bem a mulher farta do marido que se tornou um fardo. Em certa altura do filme ela percorre a mansão metida numa camisola vermelha, caminha rápido entre as sombras, como um vulto, planejando matar o marido sufocado. O alemão Günter Meisner também se sai bem no papel complicado de um inválido. Sem poder usar o corpo, toda a atuação deve se concentrar em expressões faciais e mudanças na voz, o que não é fácil. Menos feliz foi David Sust, o Ângelo. Não sei o quê, mas faltou algo em seu personagem. Pareceu-me muito superficial e pouco expressivo. A garota, então, é uma Kristen Stewart menos bonita.

De toda a forma é um filme interessante que tem tudo para se tornar um clássico com o passar do tempo. Principalmente os fãs do gênero tem uma boa oportunidade de variar um pouco dos terrores americanos.

segunda-feira, 9 de março de 2015

O Capital (Le Capital) - 2012; sistema financeiro predador

O Capital (Le Capital), lançado em 2012.
Um filme de Constantin Costa-Gavras.
Costa-Gavras, homem polêmico e politizado, em Le Capital critica o sistema financeiro que rege o mundo e que sabemos ser o verdadeiro dono dele. As grandes corporações elegem, derrubam e controlam governos. Os bancos são parte ativa e protagonista desse sistema anti-democrático; eles que endividam Estados e os mantém sob seus controles. Nos bastidores dessas instituições ocorrem todos os tipos de maracutaias: crimes, jogos de interesse, chantagem e lobby. Neste filme de ritmo rápido o cineasta narra a ascensão profissional de um banqueiro.

Marc Tourneuil, a contra-gosto da maioria dos acionistas do banco onde ele trabalha, um dos mais poderosos da Europa, é escalado para se tornar o novo presidente da instituição, depois que o antigo presidente foi afastado devido a um câncer. Com medidas polêmicas que desagradam à maioria dos acionistas, ele tenta levar o banco para outros rumos e para cortar gastos demite milhares de funcionários. Enquanto isso ele sofre pressão de um grupo de empresários norte-americanos, que tentam um golpe para adquirirem o banco a baixo preço.

Naturalmente um filme como este, que mostra todos os podres da essência do capitalismo, irritou muita gente ao redor do mundo. "Filme de comunista", têm apontado alguns. O que ninguém pode negar é que mesmo que não seja uma regra, também está longe de ser raro a corrupção dentro de grandes empresas, sobretudo as que trabalham com o mercado de capital. O que é ainda pior que corrupção nos governos. Podemos tirar com nossos votos alguém do poder público, pedir investigações. Porém não temos o mínimo controle sobre empresários, não podemos frear suas estratégias de domínio (que envolvem os meios próprios e também a manipulação dos governos) que aspiram o bem de uma absoluta minoria em detrimento da humanidade como um todo. Esta é nossa chamada "democracia" atual.
"Sou seu Robin Hood moderno: continuarei roubando dos pobres para dar aos ricos."

A fala acima encerra o filme. Soa como sensacionalismo barato para criticar o capitalismo mas não é. É assim mesmo que a maioria da minoria rica e poderosa que controla o mundo age, e se a palavra roubar soar muito forte, troquemo-a por "explorar" os pobres que todos nos entendemos. O ano de lançamento também mostra que o cineasta quis ser atual: a Europa em plena crise adota medidas de austeridade que beneficiam o setor financeiro e diminuem o bem estar social.

Para além da relevante temática, Le Capital é um bom filme. Num estilo mais comercial a obra é dinâmica e rápida e tem uma fotografia clara e natural, capaz de conquistar também o grande público com sua trama cheia de intrigas, reviravoltas mas fácil de ser acompanhada. O que é interessante pois filmes de cunho político geralmente são assistidos por uma pequena parcela do público e geralmente nem entram no circuito comercial. As metáforas permeiam o filme, sempre fazendo comentários ou comparações criticando o estado de calamidade global. E o elenco, sobretudo o protagonista Gad Elmaleh, está ótimo.