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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Feliz 2016

Meus queridos leitores;

2015 foi um ano maravilhoso para este que vos escreve, exceto, talvez, pelo pouco tempo que tive para me dedicar a ver filmes e escrever no blog (mas não, não vi nenhum filme que não tenha resenhado).

Mas aí vem 2016. Espero que na minha vida pessoal e acadêmica seja um ano tão ou mais lindo que este que se encerra hoje. 
E espero que todos vocês tenham um 2016 maravilhoso.
Talvez o blog volte a ter muitas atualizações como antes, talvez não; o que importa é que vocês, com ou sem mim, tenham experiências fantásticas que esta maravilhosa arte nos permite ao longo do ano que se inicia.

Um grande abraço e ótimo réveillon.

Flávio de Lima

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios - 2012; 'slow cinema' tupiniquim

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios), lançado em 2012.
Um filme de Beto Brant e Renato Ciasca.

Baseado no best-seller homônimo de Marçal Aquino, este filme é uma espécie de exemplar brasileiro de "cinema contemplativo". O que foi uma surpresa agradável.

No Pará, a complexa Lavínia (Camila Pitanga), ex-prostituta casada com o pastor Ernani (Zecarlos Machado), se envolve com o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado), forasteiro sedutor e de vida livre. O triângulo, porém, não dura em paz por muito tempo.

Primeiramente devo dizer que não li o livro, embora tenha ficado com vontade depois de ler algumas resenhas da obra literária e comentários com a já previsível comparação a dizer que o livro é muito, muito melhor que o filme (que se focou mais em parte da história e suprimiu vários personagens secundários). Não sou eu quem vai reforçar essa comparação, ao menos não por hora já que ainda não li o tal livro, mas que o filme é bom, é.


Mas o que mais chamou a atenção foi um detalhe que até agora não tinha visto ainda no cinema nacional, ao menos não o pouco que até agora já assisti de nosso cinema: Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios se aproxima bastante do slow cinema tão comum no cinema europeu. Longos planos e cenas com apelo quase exclusivamente estético (pouca ou nenhuma função narrativa) se intercalam entre as cenas que, num geral, são de relativamente poucos diálogos. Não se chega àquela ortodoxia de completa ausência de trilha sonora e pouquíssimos diálogos, mas é um filme que flerta sim com esse estilo de cinema. Aqui existe trilha sonora, mas é mais comedida que o que é normalmente praticado em Brasil; há falas, mas ainda existe uma preocupação em passar informações sobretudo por meio de gestos e expressões faciais; cenários e cultura local tem seus momentos de protagonismo; a nudez é explorada num contexto natural, sem objetivar excitação.


O filme também me apresentou uma Pitanga que eu desconhecia. Sempre achei ela acima da média nas novelas globais em que a vi, melhor que colegas horríveis como Caio Castro e Cléo Pires, não mais que isso. Aqui ela dá vida a uma personagem complexa, santa e puta, perturbada, cheia de culpa e dúvidas e certezas. Linda, exala erotismo nas não poucas cenas em que fica nua sem pudores. Não consigo imaginar outra atriz no lugar dela. A atuação lhe valeu alguns prêmios de melhor atriz dramática dentro do país.


Não tão felizes mas ainda assim bons, Gustavo e Zecarlos Machado dão vida aos homens da trama. Gustavo se sai ainda melhor que o colega, e o Cauby que ele nos apresenta, bonito, sedutor, alegre e inconsequente é muito crível. Já Gero Camilo, que faz o antagonista Viktor Laurence, entrega um trabalho fraco e estereotipado.

Enfim é um filme que merece uma visita. Visualmente é lindo. A trama, ótima. O elenco, bom.



sábado, 19 de dezembro de 2015

Filhos do Paraíso (Bacheha-Ye aseman) - 1997; corra, Ali, corra

Filhos do Paraíso (Bacheha-Ye aseman), lançado em 1997.
Um filme de Majid Majidi.
Filme meia-boca iraniano, não sei porque fez muito sucesso em festivais mundo afora na época de seu lançamento. Conta a história de dois irmãos de família humilde e suas dificuldades diárias. A inocência toda tem algum charme, mas é um filme maçante.

Ali, menino de uns 9 anos, perde os sapatos da irmã, o único par que ela tinha já que a família é muito pobre e a mãe doente. Ele esconde o ocorrido dos pais e entra em acordo com a irmã para que revezem o par de tênis dele, pois segundo ele além de apanhar do pai a situação agravaria as finanças já frágeis do pai, que teria que arrumar dinheiro sabe-se como para comprar novos sapatos.

É um filme sobre valores, muitos dos quais em recente declínio. Honestidade, humildade, inocência, amor. Não é bom, porém. Meia horinha e já deseja imensamente que o filme acabasse logo.

Devo ter sido um dos poucos, mas não gostei nada da atuação de Amir Farrokh Hashemian, o pequeno Ali, parecidíssimo com o Zeca Pagodinho. Só prestava para fazer cara de choro. De três em três minutos pode esperar, ele arregala os olhos úmidos. A birra que ele faz, desesperado para entrar no processo de seleção de corredores, tirou o pouco de empatia que eu sentia pelo personagem. Muito mais feliz como atriz foi Bahare Seddiqi, que interpreta Zahra, a irmã cujos sapatos se perderam - diga-se já, por estupidez do irmão. Ela sim tem uma doçura e uma inocência mais natural que o garoto.
A vida dos dois é uma correria sem fim por becos estreitos do subúrbio de Teerã, choramingando, levando bronca, cometendo idiotices, levando cambapés, correndo inutilmente atrás de um tênis levado por uma enxurrada moderada - meu primo de 3 anos conseguiria alcançar o sapato na primeira tentativa. Alguém dê Biotônico Fontoura à menina, deve ser anemia (tomara que não falciforme, como é comum em Oriente Médio) que causou essa letargia nela.

Majidi ainda tem uma obsessão por mostrar os cenários, que passa dos limites. Não tem quase nenhuma cena ou plano em que ele não começa filmando à distância, ou com closes em pedacinhos da escada, quinas da parede, ou fazendo panorâmicas, antes de enquadrar o que importa de verdade. Tal estilo tem sido usado e dado certo com muitos cineastas, quando a sensibilidade é grande e - embora não necessário, mas ajuda em muito - os cenários belos e ou ricos em detalhes. Não foi o caso aqui. O apelo a essas técnicas estéticas é mal sucedido até mesmo nos travellings em que o garoto corre na maratona.

O Irã tem bons filmes e não é tão raro alguma obra de lá ganhar o mundo. Mas esse aqui não recomendo. 

sábado, 21 de novembro de 2015

Jack e a Mecânica do Coração (Jack et la mécanique du coeur) - 2013; amor míope

Jack e a Mecânica do Coração (Jack et la mécanique du coeur), lançado em 2013.
Um filme de Stéphane Berla e Mathias Malzieu.
Animação franco-belga pouco conhecida, Jack e a mecânica do coração conta a história de vida de um rapaz impedido de amar devido a um frágil mecanismo que possui no lugar do coração. Ambientado na França do final do século XIX, traz como um dos personagens o cineasta Georges Méliès.
Uma mulher dá à luz a um menino no dia mais frio do ano. Devido a isso o coração do bebê se congela. Para mantê-lo vivo uma médica/inventora cria um coração artificial a partir de um relógio. A mãe biológica parte e deixa o filho aos cuidados da médica. Ele cresce, mas ao longo da vida não pode tocar no mecanismo, ter emoções extremas de raiva e jamais se apaixonar. Mas uma cantora míope vai abalar sua vida.


O filme é baseado no livro "A mecânica do coração" de Mathias Malzieu, publicado em 2007. Malzieu é o vocalista de uma banda francesa de rock. Ele escreveu o livro e depois ajudou na criação do filme, incluindo ser o dublador do protagonista. A trilha sonora ficou toda a cargo da banda. A animação é um musical. Ponto negativo. As canções são um porre e sempre interrompem a história.

História que não é lá essas coisas. Tem sua sensibilidade, sua poesia, sua delicadeza em abordar a paixão e os inocentes amores jovens. No entanto é cheio de clichês e excessos. A figura de Méliès é totalmente desnecessária, tem apenas a pretensão de despertar simpatias nos cinéfilos. Jack, o estripador, aparece numa pontinha, quase a matar seu xará. Desnecessário e apelativo. O antagonista, Joe, é estereotipado e mal pensado, quase não tem motivo algum para não gostar de Jack. Consequentemente quase não temos motivos para não gostar de Joe.
A parte visual é à lá Tim Burton. O surrealismo, a bizarrice, os traços. É o maior ponto positivo da obra, algumas cenas são lindíssimas e a iluminação (quando não propositalmente obscura) é muito agradável.
Não é um filme de todo ruim, inclusive talvez valha a pena aos fãs desse estilo de animação. Mas que o cinema francês tem exemplares muito melhores, tem. Fico aqui no meu canto a lembrar de As bicicletas de Belleville.

sábado, 31 de outubro de 2015

Fabricando Tom Zé - 2007; um pouco do incompreendido

Fabricando Tom Zé (Fabricando Tom Zé), lançado em 2007.
Um documentário de Décio Matos Jr..
Até uns dois ou três anos atrás, este que vos escreve não sabia quem era Tom Zé. Talvez eu tivesse lido ou ouvido o nome em algum lugar, mas sequer sabia do que se tratava. Foi quando descobri a obra-prima irretocável deste homem que é, talvez, o mais experimental músico brasileiro: "Estudando o Samba". Tal disco foi o mesmo que conquistou o músico David Byrne nos anos 90, episódio que foi o divisor de águas na carreira de Tom Zé.
O documentário de Décio Matos Jr. acompanha uma turnê do artista pela Europa, feita em 2005. Na época o músico estava com 70 anos. Além disso ouve o artista, sua musa/porto-seguro/produtora/esposa Neusa Martins e umas tantas outras pessoas ligadas ao músico, incluindo Gilberto Gil e Caetano, com quem Tom Zé tinha certo ressentimento.
O baiano de Irará foi um dos precursores do Tropicalismo e de longe o mais inventivo e experimental do movimento. No entanto, diferente de Gil, Caetano, Gal e Bethânia, Tom Zé foi logo esquecido pelo público e amargou duas décadas de ostracismo, até ter seu principal disco, lançado ainda nos anos 70, ouvido durante a década de 90 pelo guitarrista da Talking Heads quando em viagem ao Brasil. A partir daí Tom Zé foi redescoberto por parte do público brasileiro e ganhou grande notoriedade no exterior.
Essa turnê, filmada em Itália, Suíça e França, não só comprova o sucesso fora do país como serve de base para o documentário. A intimidade do músico é colocada nas telas e mostra um homem bem humorado, perfeccionista e ousadíssimo. Ovacionado num lugar, vaiado em outro. Assim foi recebido o músico que faz shows de capacete de construção, "toca" um esmeril ao vivo e sai nos tapas com um técnico de som que tenta humilhá-lo, num momento de profunda raiva.
Mesmo assim esbanja simpatia, humildade, tenta agradar o público cantando uns trechinhos nos idiomas nativos (mesmo não sabendo nada) e mostra seu amor pela profissão.
Fabricando Tom Zé é obrigatório para compreender um pouco mais desse que é um de nossas maiores joias musicais.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Viridiana (idem) - 1961; a noviça verdadeiramente rebelde

Viridiana (Viridiana), lançado em 1961.
Um filme de Luis Buñuel.

Na extensa obra do controverso diretor surrealista espanhol, Viridiana é um dos seus filmes mais famosos, sobretudo pela Palma de Ouro que acabou por receber. Banido da Espanha imediatamente (onde só foi exibido em 1977) e condenado pelo papa, o filme narra a história de uma noviça que se afastou do convento para tentar ajudar o mundo de modo mais direto.

Viridiana é uma noviça que sob ordens de sua superiora sai para visitar o tio doente. Ele acaba por tentar seduzi-la e quase a estupra, antes de por fim se matar. Já mudada com os acontecimentos, decide não voltar ao convento e tenta ajudar um punhado de mendigos da vila.

Ateu e polêmico, Buñuel, ao longo da vida, despertou ódio nas camadas mais conservadoras da Europa, sobretudo de sua Espanha natal. Viridiana não fugiu desse destino, devido ao seu teor anti-clerical e suas críticas à moral cristã, bonita de ideais mas falha na prática e, em realidade, pouco altruísta.

Viridiana é uma jovem cheia de virtude e castidade, com uma ingenuidade quase infantil. Também muito franca, a ponto de dizer ao tio que lhe é grata pelo auxílio financeiro prestado ao longo dos anos mas que não lhe tem nenhum afeto. Também muito estúpida por, por exemplo, vestir o vestido de casamento da finada tia apenas para o tio ver. O tio, doente, solitário, viúvo que não consumou o casamento, enxerga na sobrinha virgem a esposa que morreu no dia de núpcias, ainda virgem. Vai tentar tê-la. Pede-lhe em casamento. Quase a estupra. Arrependido e diante da partida da sobrinha, se mata. 

De tais desgraças surge uma primeira iluminação. Continua crente e cristã, mas Viridiana compreende que a vida religiosa do convento muito pouco (para não dizer nada) contribui para a melhora do mundo e redução dos sofrimentos humanos. Tenta fazer de seu jeito. Há então de ver que o ser humano é, por natureza, imperfeito e ingrato. 

Aliás, é a ingratidão um dos temas centrais dessa película, cada ato generoso feito no filme por algum personagem parece ser pago com ingratidão, seja por parte do beneficiado, seja por parte da vida. Sendo a salvação da alma, segundo os ensinamentos cristãos, nada mais que uma espécie de gratidão divina pelos atos de fé e bondade realizados em vida, fica registrada mais uma crítica de Buñuel à religião.

O mundo exige das pessoas fé. A fé, para o cineasta, é algo inútil. A caridade, ainda que boa, é um pouco menos nobre do que pregam. Os atos feitos como sendo para o bem do próximo, no fundo são tentativa do indivíduo em se sentir melhor consigo (se sentir útil e bondoso, servir como remissão, se exibir, almejar a salvação da alma etc).

Além dessas desconstruções e a promoção de reflexões, o filme têm também bons feitos na área técnica, lindo de fotografia, enquadramentos e sequências. Também não faltam os simbolismos, de uma mulher a pular corda como forma de ressaltar a infantilidade da personagem à ordenha manual, com a mão da freira numa teta que, para todos os efeitos, tem, naturalmente, um formato de falo. Sem falar a relativamente bem conhecida imagem-paródia da "Última Ceia" de Da Vinci.
Viridiana é um primor.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)) - 2014; novos rumos para a vida

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)), lançado em 2014.
Um filme de Alejandro González Iñárritu.
Conhecido pela sua "Trilogia da Morte" (ou "Trilogia do Caos"), Iñárritu, é um diretor de algumas peculiaridades. Este Birdman que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor e melhor filme fez o que poucos antes ousaram sequer tentar fazer e praticamente apenas Hitchcock teve sucesso: um longa inteiro que é quase um único plano sequência. Não foi filmado de fato numa única tomada, mas tem mesmo lindos e longos planos-sequência que no processo de montagem foram perfeitamente sincronizados.

Riggan Thomson (Michael Keaton) é um ator que no passado fez muito sucesso como o protagonista de um filme de super-herói mas que atualmente foi esquecido. Numa tentativa de retomar a fama mas ao mesmo tempo fugir da imagem coletiva que o vê apenas como um herói de cinema, ele decide adaptar, dirigir e estrelar uma peça na Broadway. Além dos problemas com a ex-esposa e filha, ainda precisa lidar com o empresário e atores problemáticos durante o período de estreia, quando uma voz em sua mente, do personagem Birdman que interpretara, insiste em tirá-lo do sério.

A metalinguagem vai além de um filme sobre atores de cinema e teatro. Keaton, assim como seu personagem, é um homem que no passado fez sucesso como um super-herói (no caso, Batman) e que meio esquecido quis fazer coisas mais prestigiadas para se livrar do estigma que esse tipo de personagem (super-herói) costuma deixar - tanto que não é raro atores recusarem papeis milionários por esse motivo. Essa ironia é apenas uma a mais neste filme de ironias e humor negro.

Assim como o personagem de Keaton muda a direção de sua carreira - do cinema pipoca para o "cult" - Iñárritu também tenta se reinventar. Dos dramas fúnebres para a comédia que é Birdman. Não é um filme de grandes risadas, no entanto. O humor que aqui habita é satírico: alfineta a indústria do entretenimento, com seus artistas com inflados egos, gente louca por dinheiro e críticos arrogantes. Todos a tentarem parecer admiráveis pelas suas obras (me lembrei da conhecida entrevista de Jô Soares à artesã Eila Ampula, que diz fazer suas obras apenas por dinheiro e quando questionada sobre uma visão ou mensagem artística disse "besteira", arrancando risada da plateia).

Embora por vezes se aproximem de estereótipos, os personagens são bem construídos e realisticamente ambíguos, cada um com seus problemas. O elenco selecionado a dedo é primordial nisso e praticamente só há boas interpretações, mesmo de personagens secundários. Nenhum, porém, se destaca mais que o protagonista de Keaton. Thomson é um homem à beira da loucura, de tão engrandecida auto-imagem acha ser capaz de levitar e quebrar coisas com a mente, mas ao mesmo tempo se agonia de ansiedade e insegurança e ciúmes diante da loucura dos bastidores de sua peça, temperada com a presença da ex-esposa e da filha drogada como assistentes.


Atração à parte, a fotografia é feita por uma câmera que anda pelos corredores escuros do teatro- quase sempre em ritmo frenético - a espiar a vida das pessoas. Parece até que estamos a ver pelos olhos de uma dessas assistentes loucas e indiscretas. Os cortes foram trabalhados na montagem de modo a parecer que o filme quase inteiro é uma sequência só. Propositalmente há, às vezes, um certo ar de precariedade na fotografia que as vezes é sub-iluminada, noutras vezes adquire uma textura granulada como se a câmera fosse vagabunda e é um pouco dessaturada (redução das cores). Com a trilha meio minimalista - praticamente só uma bateria - mas ainda assim frenética, a sensação de agitação e certo caos é inevitável.

Birdman tem sido apontado como um filme que as pessoas odeiam ou amam. Este que vos escreve se encaixa no segundo grupo.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

A Fraternidade é Vermelha (Trois couleurs: Rouge) - 1994; eu que era triste, descrente deste mundo

A Fraternidade é Vermelha (Trois couleurs: Rouge), lançado em 1994.
Um filme de Krzysztof Kieślowski.

Último filme da Trilogia das Cores de Kieślowski, lançada na primeira metade da década de 90, Rouge trata do ideal da fraternidade e da cor vermelha da bandeira francesa. Dos três é o mais querido do público e da crítica num geral.

Valentine (Irène Jacob) é uma modelo, recém contratada para um comercial de goma de mascar, que atropela um cão. O dono do animal é um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant) que passa seus dias fazendo escutas telefônicas dos vizinhos. Apesar da repulsa inicial com as atitudes do amargurado juiz - que lhe deu o cão - os dois acabam se aproximando após ele a fazer refletir sobre o que é fazer o bem aos outros.

Mais rápido e dinâmico que o contemplativo Bleu e mais lento que Blanc, é Rouge, nessa posição de equilíbrio, que interliga os outros filmes da trilogia. O que há de unir os personagens dos três filmes é o acaso, uma tragédia que vivenciaram em comum. Se o acaso (ou destino, ou ironia da vida, ou providência divina, como quiserem chamar) está presente em todos os três filmes e leva a acontecimentos na vida de cada personagem, é aqui no final que aparece de modo mais intenso ou, ao menos, mais explícito.

Um livro que cai pode mudar uma vida. Essa questão de pequenas coisas modificarem coisas grandes (que remete diretamente à parte da Teoria do Caos estudada por Lorenz) tem sido abordada no cinema em vários filmes, como em Corra, Lola, corra, ou mais diretamente em Efeito Borboleta (nome da teoria de Lorenz). Mas não com a delicadeza que ocorre aqui. Personagens que vivem próximos mas que nunca se viram (tão comum em grandes cidades, ainda mais com o estilo de vida frenético da atualidade), acidentes que unem vidas, histórias de vida parecidas mas totalmente independentes uma da outra é que constroem essa trama de encontros e desencontros.

Os protagonistas são o oposto um do outro. A linda Jacob é doce, benévola. O juiz (Trintignant, ótimo) amargurado e desagradável. Ainda assim se tornam amigos. A amizade é uma redenção, uma alegria, mesmo com os defeitos de cada um. A humanidade é imperfeita. Os idealismos também. A solidariedade é mais um desejo de ajudar os outros por auto realização e bem estar próprio que por generosidade pura, acusa o filme por meio de uma fala do juiz. Reflexões sobre igualdade, moral, ética, lei e altruísmo são trazidas à tona.

A fraternidade é vermelha como o sangue que jorra nas veias de todos os seres humanos, iguais na sua insignificância. O vermelho é um protagonista, assim como a cor também é no restante da trilogia. Aqui se usa menos filtros que nos outros dois, mas nunca cenários, figurinos e objetos estiveram tão deliberadamente coloridos. Vermelho que se revela nos travelings, closes, planos e quadros cheios de estilo e apelo estético.
Com Rouge Kieślowski fecha a trilogia com chave de ouro. Morreu de ataque cardíaco pouco depois, já aposentado, embora tivesse pouco mais de 50 anos. Mais de vinte anos e ainda hoje sua obra é constantemente visitada e revisitada por cinéfilos de todo o mundo.