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domingo, 31 de agosto de 2014

Desencanto (Brief Encounter) - 1945; para encantar os fãs de romances

Desencanto (Brief Encounter), lançado em 1945.
Um filme de David Lean.

David Lean é mais lembrado pelos seus grandiosos (e bote grande nisso) épicos: A ponte do Rio Kwai, Lawrence da Arábia, entre outros. Mas o início de sua carreira como cineasta foi marcado por filmes mais intimistas e enxutos, como este sensível Desencanto.

Laura Jensson (Célia Johnson) é uma dona de casa de classe média do subúrbio inglês, que conhece um médico, Alec Harvey (Trevor Howard), em  uma estação de trem. Começando por trocas de gentilezas sem segundas intenções, os dois acabam se apaixonando. Mas ambos já são casados e não podem se entregarem totalmente à paixão.

Os maiores méritos de Brief Encounter são a naturalidade e o realismo com que o filme trata do amor. Sem deixar o filme menos romântico, muitos dos clichês e convenções sobre o romantismo são deixados de lado. Aqui o amor não surge para completar a vida de pessoas que julgavam estarem com elas incompletas justamente por faltar um amor. Aqui ele surge por uma casualidade e mais acaba por transtornar a vida dos amantes que deixá-los felizes.
De Alec não sabemos muito, apenas o que Laura nos conta. Mas ao menos a vida dessa mulher conhecemos o suficiente para descobrir que ela não era infeliz. Os filhos comportados e já bem criados e o marido benévolo eram tudo o que ela queria. Não é à toa que ela fica tão perturbada pela culpa quando se descobre apaixonada por um desconhecido.
Essa culpa é presente em todo o filme, e é compartilhada por Alec. Estamos nos moralistas anos 40, quando o adultério era muito mais escandaloso que hoje e podia destruir a "honra" de famílias inteiras. Mesmo com o medo e o remorso, os dois ainda se encontram, impulsionados pela irracionalidade da paixão.

Essa história quem nos conta é a própria Laura. Por meio de flashbacks e voice over. Célia Johnson, não só fez um lindo trabalho como atriz como também narradora. A vida que ela dá à voz é incrível. Ao mesmo tempo que transparece alegria nas descobertas e nos momentos felizes com o amante (e a relação dos dois foi sendo construída aos pouquinhos, de maneira bem verossímil), se torna melancólica e sofrida ao revelar os dilemas morais e a culpa.
A narrativa acontece apenas na mente da personagem, que a faz imaginando-se a contar a verdade ao marido. O tom de voz de todo esse monólogo dá a impressão de que ela está tentando se justificar ao esposo e a pedir perdão por seu deslize. Como bom marido que era, que confiava nela tanto a ponto de nem mesmo se perturbar quando ouviu a esposa dizer que almoçou com um desconhecido, ele não merecia a traição. E isso só corrói Laura por dentro ainda mais.

Apesar de todo o drama, o caso entre os amantes era puro, muito mais emotivo que sexual. Eram tempos de inocência. As filmagens foram feitas poucos meses antes de finalmente a II Guerra terminar. Mas mesmo com esse conteúdo mais ingênuo também não é um filme de grandes melodramas e grudes. Foi uma fórmula com ingredientes bem proporcionados que deu certo. Um desses ingredientes, uma bela fotografia monocromática. Difícil esquecer alguns dos enquadramentos feitos na estação.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Futuro (The Future) - 2011; o retorno de Miranda July

O Futuro (The Future), lançado em 2011.
Um filme de Miranda July.
Infelizmente Miranda July, aqui, não foi tão feliz quanto em sua estreia como diretora em Eu, você e todos nós. Aliás, The Future não é um filme sobre felicidade. Se na sua estreia grandes doses de humor se misturavam à tristeza, aqui esse humor foi quase inteiramente filtrado, sobrando a amargura. Ainda assim é um filme interessante. Se não é melhor que seu "irmão", ao menos ainda está acima da média. E prova que a artista/atriz/diretora mantém seu olhar peculiar e sensível sobre as pessoas.

Sophie (July) e Jason (Hamish Linklater) são um casal de namorados que moram juntos e levam uma vida um tanto alternativa e conectada à internet. Juntos há anos, a relação dos dois anda fria e monótona. Os dois empurram a vida juntos com a barriga. Permanecem juntos muito mais por hábito que por vontade de continuarem unidos. Eles decidem adotar um gato doente para se dedicarem e vencerem o ócio. Depois de escolhido o animal, ainda precisam esperar 30 dias antes de poderem levar o gato para casa. Eles tem 30 dias para darem rumo em suas vidas, já que depois que chegar o gato não poderão deixá-lo.

Como em seu primeiro filme, Miranda July constrói com elementos fantasiosos ou cenas e diálogos absurdos um mundo verossímil. Ao mesmo tempo que tudo parece surreal ou pouco crível (até os dois protagonistas são construídos de forma um pouco caricata, o estereótipo do casal indie, sensíveis e hesitantes), quase tudo é muito verdadeiro. Não consigo explicar esse paradoxo. É preciso ver o filme. É preciso degustar de seu existencialismo. É um filme dinâmico, mas é cheio de passagens contemplativas, silenciosas, monótonas.
As belas e delicadas fotografias retornaram, e também a discussão sobre o papel e o peso da internet nas relações humanas. O distanciamento da realidade (embora reitero que paradoxalmente é um filme denso e sincero) também se amplia, há liberdade até para um gato falante e uma lua que conversa com a mente perturbada de Jason.

A parte mais legal é que July, aqui, critica sua própria arte. E principalmente a "arte" dos "artistas" do YouTube. Além de mostrar como bobagens logo ganham milhares de visualizações e "likes", a personagem também almeja um espaço nessa plataforma.
Já a crítica a sua própria arte vem da essência de Sophie: um choque de realidade a abala, a faz perceber que a vida é menos "bonitinha" e mais cruel do que imagina, que a dureza da vida é bem mais que aquela melancolia autoimposta (fenômeno observável no estereótipo do gótico) na qual ela vive por parecer pensar que é essa a "vibe". Esse amadurecimento tardio é algo pelo qual passa também Jason, embora ele ofereça mais resistência que ela. Dois dos momentos em que esse crescimento interior fica mais claro são a cena da dança do casulo de Sophia, feito com sua camisa (estando ela a pensar que estava num auge de inspiração artística, outro personagem flagra o momento com indiferença; e as cenas surreais que revelam o medo de Jason em encarar a nova realidade, passando horas vivendo num mundo imaginário em que para o tempo para não perder a companheira.

Na resenha que fiz de Me and You and Everyone We Know cheguei a estabelecer uma relação entre o filme e Beleza Americana. Em O futuro a sacola voando perderia a beleza e não passaria de uma sacola voando banalmente. Sophie, e porque não dizer, July, podem ter perdido uma parte da inocência e da poesia interior, do olhar infantil que acha tudo novo e belo. Mas ganharam em amadurecimento e autoconhecimento.

domingo, 17 de agosto de 2014

A Dama e o Vagabundo (Lady and the Tramp) - 1955; a Disney em seu ápice

A Dama e o Vagabundo (Lady and the Tramp), lançado em 1955.
Um filme de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske.
Um dos maiores clássicos da Disney está quase a completar 60 anos de idade. Dono do que provavelmente é a cena de animação mais icônica e reconhecida do cinema, a do macarrão, o filme exala doçura e algumas doses de ousadia.

Lady é uma cadela de raça criada por uma família de classe média alta. Ela é muito querida por seus donos e o centro da atenção da casa. Quando, porém, sua dona engravida, ela passa a ficar em segundo plano. Então aparece um cão vira-lata vagabundo por quem acaba por se apaixonar depois de se perder na cidade e ser ajudada por ele.

Lady and the Tramp é um filme belo. Riquíssimo visualmente, ele usa uma série de cenários diferentes para contar a história. E inteligentemente estes cenários tem humor próprio. As cenas alegres ocorrem em ambientes iluminados e coloridos, as mais pesadas em cenários mais escuros, sujos e feios, e até mesmo uma atmosfera romântica, com direito a noite enluarada, ajuda a criar o clima de paixão em determinadas cenas. Isso é algo que está e sempre esteve presente no cinema. Mas foi algo um tanto importante para uma animação na época, embora em trabalhos anteriores o estúdio Disney já tivesse feito isso, ainda que de forma não tão incrível como aqui. A parte visual incrível se estende também para as figuras dos personagens e em efeitos típicos do cinema convencional mas até então ainda pouco usados em animação: zoom, panorâmica de cenários, efeitos na transição de cenas, contra-plongées, travellings e câmeras distantes.
Junte isso aos detalhes que dão mais vida às animações (aqui os cães, como na vida real, se coçam e se espreguiçam e os ratos ficam sobre as duas patas traseiras).

O filme acontece sobre o ponto de vista dos cães, o que nos deixa ainda mais próximos aos protagonistas. Não é à toa que Lady chama seus donos de "Jim, querido" e "Meu bem": os dois se chamam assim, então a cadela aprendeu a chamá-los assim, não conhece seus verdadeiros nomes. Outra coisa que deixa claro isso de um mundo visto pelos olhos de um cão é que muito raramente vemos o rosto de um personagem humano. Na maioria das vezes só vemos suas pernas (efeito que é muito nítido também nos desenhos Tom and Jerry), que é como os cães costumam nos ver. Os cenários também sempre vão vistos de um ponto mais baixo, como se a câmera estivesse apenas alguns centímetros acima do chão, no nível dos olhos de um cão.

Se já não bastasse a riqueza visual e uma trama encantadora, há ainda alguns pontos um tanto ousados. Além de abordar o choque entre classes sociais diferentes (oposição entre cão de raça/vira latas, cão de família rica/abandonado, bairro de classe alta/subúrbio, coleiras que são como um atestado de nobreza/falta de coleira que pode condenar um cão à carrocinha), há até mesmo brincadeiras entre ideologias políticas (direita x esquerda): 

"Não precisamos de nenhum vira lata de ideias radicais"

Há também de se notar que o comportamento de Lady quando sabe da gravidez de sua dona é igual às teorias de Freud: o irmão mais velho sente ciúmes do bebê recém nascido, que recebe mais atenção por parte dos pais do que ele. No zoo o vagabundo remete a Darwin ao dizer que os macacos são muito parecidos com os humanos. E depois há até mesmo uma sutil conotação sexual que deixa a entender que a cadela, "moça virgem de família", "se tornou mulher".
Difícil não amar este filme.

domingo, 10 de agosto de 2014

Z (idem) - 1969; duros tempos

(Z), lançado em 1969.
Um filme de Constantin Costa-Gavras.
Os anos 60 e 70 foram marcados por golpes políticos de extrema direita ao redor do mundo. No auge da Guerra Fria, o medo do comunismo levou ao poder diversas ditaduras, como o Golpe de 64 no Brasil e o Golpe de 73, no Chile, que instaurou a ditadura de Pinochet. Por diversos motivos, vários outros países na África, América Latina, Ásia e até na Europa, também ficaram sob ditaduras. Foi o caso da Grécia, em 67. 

Já em 69, exilado na França, o cineasta grego Costa-Gravas filmou Z, um filme denúncia sobre a instauração do golpe em seu país. Já no início há um aviso de que as semelhanças com fatos e pessoas reais é proposital. E se segue um thriller sobre a investigação da morte de um deputado da esquerda, assassinado por extremistas ligados à polícia num comício em 63.

Aqui Costa-Gavras não esconde suas ideologias. Nem abre mão das provocações. Os militares, antagonistas, se tornam um tanto caricatos em meio ao humor negro do cineasta. Desde os discursos inflamados onde comparam ideologias de esquerda a fungos saprófitos, ao cinismo que exibem ao se contradizerem ou se defenderem, são personagens ridicularizados por Gavras, anti militar. Não é atoa que foi proibida sua exibição no Brasil, que estava no ápice da censura.

Z tem um charme difícil de descrever. Talvez pelo seu tom de documentário (até porque a história é real), sua sobriedade e crueza. Com certa indiferença da câmera cenas brutais são filmadas. Apesar disso o diretor não fica distante de seus personagens. Closes em seus rostos são comuns, revelando o turbilhões de sentimentos que carregam.
Entre as investigações de um juiz interpretado por Trintignant e flash backs vai sendo montado um verdadeiro suspense sobre intrigas políticas. E as retaliações não tardam. Nem os atentados contra as testemunhas.

Não é um filme comunista, mas alfineta os governos totalitários que supostamente querem defender o povo "do horror e da barbárie comunista" cometendo excessos e crimes. Um erro pior no lugar de outro. Um tema pertinente desde que o mundo é mundo. E ainda hoje moderno e atual nessas democracias deficientes da maioria do mundo.

Os agitados anos 60 são retratados por uma trilha-sonora de Mikis Theodorakis de tirar o fôlego. Cortes rápidos de um trabalho excepcional da montagem aumentam a tensão e o sentimento de impotência diante de um tempo que passa voando. A câmera se movimenta muito, é inquieta. Foram anos de apreensão para o povo grego. E Costa-Gravas estava agitado e temeroso. Mas também esperançoso, como revela o título, que em grego antigo significa "vivo". Essa foi a receita de um dos melhores dramas políticos já filmados.

#ficaadica

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A Noviça Rebelde (The Sound of Music) - 1965; há quase 50 anos o clássico emociona

A Noviça Rebelde (The Sound of Music), lançado em 1965.
Um filme de Robert Wise.
Quatro anos após lançar seu excelente Amor, sublime amor - e ganhar o Oscar - Robert Wise entregou este outro musical, que também conquistou a estatueta. O sucesso foi grande e logo o filme se tornou um clássico do cinema, principalmente no gênero de musicais. Mesmo quase a completar 50 anos, ele ainda se mantém atual, emocionando pela sua história real ocorrida às vésperas da II Guerra.

O filme é baseado na história real da família austríaca Von Trapp. Maria (Julie Andrews), que se prepara para se tornar uma freira, é enviada como governanta à casa dos Von Trapp, onde Georg  (Christopher Plummer), um militar viúvo ;e abastado, cuida de seus sete filhos com muita autoridade. Apesar das crianças serem umas pestes, ela acaba as conquistando através de brincadeiras e música. Também se apaixona pelo patrão. Enquanto isso, o partido nazista unifica a Áustria e começa com suas medidas duras de propaganda ideológica e repreensão.

Sou só eu ou alguém mais se lembra de Velázquez ao ver essa imagem?Produzido ainda no auge dos musicais - gênero que logo sucumbiu - A noviça rebelde esbanja leveza. O tempo era de inocência e tramas fáceis, (o cinema mais autoral e vanguardista engatinhava, eclodiria só alguns anos mais tarde, sobretudo na década de 70). O gênero musical se tornaria um pouco mais ousado só com produções como os Cabaret e All That Jazz de Bob Fosse. Mesmo nas cenas mais tensas (e há uma sequência de tirar o fôlego) onde são explorados assuntos tristes como o nazismo, se conserva um típico ar de doçura e ingenuidade. Isso, aliado a uma trama que gira em torno de uma família unida, torna o filme um dos mais "familiares" que se pode encontrar. Fica a sugestão para o dia dos pais próximo.

Alegre e vibrante, ele conta com um ótima trilha sonora, assinada por Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II. Canções meigas e muito bem executadas e cantadas que embalam e ajudam a construir o enredo de The sound of music. A fotografia também tem papel fundamental nisso. Clara e colorida ela acrescenta mais desse ar de pureza e alegria que permeia a obra. Além de belíssimos planos externos, com direito a panorâmicas, a grandiosidade se revela também nas cenas internas aos cenários detalhados. A amplidão de salões é muitas das vezes destacada pelo distanciamento da câmera, que observa de longe os minúsculos atores no meio desses enormes espaços internos.
 
Julie Andrews protagonizara um ano antes Mary Poppins (post em breve), musical onde também fica responsável por crianças e que lhe rendeu uma estatueta da Academia. Seu carisma em The sound of music é fantástico, na pele de uma noviça em processo de amadurecimento. Também seu talento para o canto é apreciável. Plummer, por outro lado, não canta de verdade. A bela voz que se ouve é dublada. Ele representa um militar autoritário com os filhos e amargurado pela viuvez que descobre novas alegrias após a chegada de Maria. Os novos bons tempos da família contrastam com a desgraça nazista na qual se afunda a Áustria. Há ainda a belíssima Eleanor Parker como a antagonista a quem não convém que Maria e Georg, seu noivo, se apaixonem.