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sexta-feira, 27 de junho de 2014

O homem duplicado (Enemy) - 2014; confuso, arrastado e decepcionante

O homem duplicado (Enemy), lançado em 2013.
Um filme de Denis Villeneuve.
Sou um grande fã de José Saramago. Sendo assim, por mais que até quisesse, nunca conseguirei assistir uma adaptação de um de seus romances - e já li todos - sem comparar o resultado com o livro. Meus dois romances prediletos do autor já foram adaptados: A jangada de pedra (filme que ainda não vi, mas que é para breve, mesmo desiludido com as péssimas críticas) e Ensaio sobre a cegueira. Numa entrevista antiga para a PlayBoy, o autor declarou ser contra adaptações de seus livros:

"Aproveitariam o que no livro há de mais exterior, que é a violência e o sexo. E aquilo que é importante, a interrogação sobre como é que nós nos comportamos, que uso fazemos da nossa razão, que cegueira nossa é essa que não é dos olhos mas do espírito, que relações humanas são essas a que chamamos humanas e que de humanas têm tão pouco. A lição que o livro pretende dar desapareceria completamente."

Na minha opinião, o filme de Meirelles fez isso.
E agora Villeneuve.
Até mesmo a questão da perda de identidade, no filme é pouco notada. E isso numa trama em que - para quem desconhece - um homem de meia idade descobre que tem um sósia idêntico fisicamente. Na minha opinião, faltou sensibilidade a Javier Gullón na hora de escrever o roteiro. Pelo caráter alegórico e metafórico dos textos do autor, adaptações não são das mais fáceis, e sempre se perde muito nelas, principalmente porque o narrador com sua ironia é um personagem à parte, um universo à parte. Mesmo assim, ao menos comparado a outros romances de outros autores, o livro O homem duplicado não era tão difícil de adaptar.
Quis-se fazer um suspense psicológico que de quebra confunde o espectador, e para isso Gullón colocou a vida dos dois protagonistas paralelas, mas o livro já tinha cargas altíssimas de suspense, causadas pelo drama e confusão e obsessão do personagem que primeiro descobre a existência o outro. No livro a história acontece sob o ponto de vista de Tertuliano Máximo Afonso (no filme, Adam), enquanto o filme sob um ponto de vista distante e indiferente. Essa mudança foi muito ruim para a obra cinematográfica. Se perdeu uma grande oportunidade de gerar suspense. E deixou a trama do filme confusa, difícil.  O uso da internet também foi um erro que, se deixou o filme mais contemporâneo, por outro lado, foi um desperdício de potencial suspense. Cenas memoráveis do romance que se encaixariam muito bem na película, também foram excluídas. Sem falar na aranha que Villeneuve inventou e que ninguém até agora parece ter entendido.

A fotografia exageradamente amarelada, quase em sépia, é um tanto desagradável e desnecessária. De certa forma é interessante por tornar os cenários mais desumanos e incômodos, reflexo do que sentem os personagens. A sensação é de sufoco. Mas é tão intenso o efeito na fotografia, que tudo fica feio e falso.
No final a única coisa que salva é o desempenho de Jake Gyllenhaal. Grande ator que tem se reinventado ano após ano. Embora tenha trabalhos melhores, aqui ele consegue dar conta do recado de fazer dois personagens de personalidades bem distintas.

Enemy não é o pior dos filmes, mas de toda a forma: leia o livro em vez de vê-lo.

domingo, 22 de junho de 2014

Quando os Homens São Homens (McCabe & Mrs. Miller) - 1971; desconstruindo a imagem clássica do velho oeste

Quando os Homens São Homens (McCabe & Mrs. Miller), lançado em 1971.
Um filme de Robert Altman.
Recém saído de Cannes com a Palma de Ouro em mãos, por MASH, Altman filmou o western McCabe & Mrs. Miller. Assim como no trabalho anterior que lhe deu fama, o filme rompeu com padrões de Hollywood e saiu carregado de ironia e humor negro. Mais tarde o próprio cineasta declarou que a obra era na verdade anti-western, "porque o filme ignora ou subverte uma série de convenções do gênero". 

1902, estado de Washington. John McCabe (Warren Beatty), apostador de pôquer, chega em uma vila onde, principalmente sob a fama de ser um pistoleiro, adquire respeito e influência. Ele começa a construir um bordel e se torna sócio de Mrs. Miller (Julie Christie), que promete administrar os recursos humanos do empreendimento. Cheia de classe, ela torna o lugar sofisticado e conquista John. Uma grande mineradora tenta comprar o negócio, mas diante da resistência de McCabe, contrata um matador para eliminá-lo.

Nos anos 70, o gênero de faroeste já havia perdido muita de sua força. Em parte pelas pouca inovações que os filmes do gênero tiveram ao longo de todo o século XX. A fórmula sempre repetida, dos vaqueiros se perseguindo a cavalo e se matando em paisagens áridas, já cansava o público. Também nesse período houve uma grande mudança no cinema norte-americano. Vários cineastas, influenciados pela Nouvelle vague, abraçaram um cinema mais autoral e tentaram se afastar dos moldes hollywoodianos: Spielberg, Coppola, Scorsese, Bob Fosse, Kubrick, Polanski , Woody Allen e Altman. 
McCabe & Mrs. Miller, então, difere de outros westerns anteriores por buscar desfazer e desmitificar alguns clichês do gênero, mostrando de outro ângulo a conquista do oeste norte-americano.

McCabe é um homem ambicioso mas pouco instruído. Como todos os colonizadores do oeste, busca prosperidade econômica. E também status, por isso se vangloria de façanhas e mitos criados em torno de sua figura. Mas dinheiro não é tudo, por isso é um homem solitário e triste.
Aliás, Quando os Homens São Homens é um filme melancólico. Nele há uma certa tristeza que se mantém mesmo nas cenas mais espirituosas ou rápidas. Os personagens não estão muito felizes. Vivem em busca de dinheiro e ascensão social, o que não os completa. Esse olhar crítico e irônico de Altman, em vez de engraçado é triste. A suposta realização do sonho americano não é capaz, por si só, de fazer as pessoas felizes. Isso quem diz não sou eu, e sim um punhado de historiadores, economistas, sociólogos, escritores, músicos e cineastas. A segunda metade do século XIX foi marcada pela emigração em massa de pessoas para o oeste, ainda pouco explorado. Qual o preço pago e de que modos isso foi feito?
Esse olhar para o capitalismo ainda é explorado de outras formas. Se McCabe fosse real, teria sido contemporâneo de John Ford. Assim como o empresário pagava bem seus funcionários para que eles mesmos comprassem os carros que produziam, McCabe pagava seus homens o suficiente para que pudessem se deitar com as prostitutas.

Mas originalidade da obra está mesmo em desconstruir algumas das práticas comuns do gênero. Em vez de um oeste árido e infernal, aqui estamos num local chuvoso onde neva no inverno. Em vez dos machões corajosos que ou são mocinhos ou bandidos, temos homens ambíguos cheios de temores. Os romances não vingam muito bem e aqui a donzela dá lugar a uma prostituta que faz questão de cobrar do homem que ama. Em vez do escarcéu gerado nas vilas pelos duelos combinados, há uma perseguição desconhecida de todos.
Toda essa dramaticidade, que diretamente envolve os belos trabalhos do elenco, sobretudo dos dois protagonistas, é trabalhada por Altman também com movimentos de câmera, amplas capturas, zooms e closes indiscretos.

Sim, este é um dos grandes filmes de Altman.
#ficaadica

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Coração Valente (Braveheart) - 1995; o grande épico dos anos 90

Coração Valente (Braveheart), lançado em 1995.
Um filme de Mel Gibson.
Infelizmente um dos maiores clássicos do cinema dos anos 90, cultuado como um dos melhores da década, não me agradou muito. Suas qualidades se anularam com seus defeitos e no fim minha opinião ficou neutra: nem ruim, nem bom.

Estamos na Escócia do século XIII, que se tornou um fantoche da Inglaterra. Depois de ter o pai morto pelo exercito inglês ainda criança, William Wallace (Mel Gibson) viaja pelo mundo com o tio. Já adulto ele volta para a Escócia, onde acaba vendo sua esposa ser executada pelos ingleses. Em retaliação, ele lidera um punhado de camponeses armados e destrói uma guarnição do exército inglês. Ele passa, então, a ser uma figura importantíssima na Guerra de Independência escocesa.

O maior problema de Braveheart é ser piegas demais. Aparentemente os fãs da obra sempre a veem com os olhos marejados. Procurando meios de conquistar o público, doses e doses de melodrama e sentimentalismo barato vão se sobrepondo ao longo de quase toda sua duração. O resultado é um punhado de cenas pouco críveis e apelativas. 
Wallace é um personagem histórico que de fato liderou clãs em batalhas contra a Inglaterra, muitas delas famosas por terem sido ganhas mesmo com desvantagem de forças. Sua importância da história da Escócia é grande e é considerado um herói nacional, mesmo que tenha sido um sanguinário. Aqui, Gibson o romantiza ainda mais.
Um filme histórico ou biográfico não precisa necessariamente ser totalmente fiel à história real, embora seja uma característica desejável. Mas certas romantizações e manipulações (na maioria das vezes usadas para tornar o filme mais interessante ao público - ou não) acabam sendo nocivas. No caso de Braveheart, uma das piores é o desnecessário romance clandestino entre Wallace e a princesa Isabel da França. Os dois jamais se conheceram, ele morreu antes mesmo de ela casar com o príncipe Eduardo. Outro deslize é o forte maniqueismo do enredo, onde os ingleses aparecem todos como vilões inescrupulosos. O derradeiro grito (embora seja a mais famosa e querida cena do filme) é romântico demais para que depois de ouvi-lo você não pense: "isso nunca aconteceu". E claro, há pretensões visuais também, como as espadas fincadas no chão em contraponto com o céu ou vultos de mortos surgindo na multidão.

Mas nada no filme é tão ruim quanto a trilha sonora. Assinada por James Horner, até possui belas canções, sempre com a presença impactante de gaitas de fole, típico instrumento escocês. Porém ela é interminável.
São três (longas) horas de filme e umas duas horas com música tocando ao fundo. São raros, mas muito raros, os momentos em que a música para totalmente. A música está sempre lá, apelativa.

Também não achei muito bacana o trabalho de Gibson como ator. Não consegui engolir as expressões faciais dele, para mim quase todas forçadas e teatrais. Talvez seja culpa dos longos cabelos ruivos que não combinaram com o rosto. O menino de aparência andrógina que interpretou Wallace criança faz mais pelo personagem. Outros atores coadjuvantes também se destacam mais.

Porém Gibson também acertou em alguns pontos, como diretor. As cenas de batalha (que até hoje são referência) são de tirar o fôlego. Cheias de realismo, elas retratam a violência e sem cortes. Toda a brutalidade fica lá às vistas. E é justamente nessas cenas que o trabalho de montagem mais fascina, dando ainda mais vida e tensão à elas. A cenografia, a maquiagem e os figurinos são irrepreensíveis. E a fotografia é bonita, muitas vezes criando lindos planos das montanhas do norte da Grã-Bretanha.

Braveheart não chega a ser ruim, só está muito aquém de outros ganhadores do Oscar e é meloso demais. Mas pelas suas cenas de ação, vale a pena.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual (Medianeras) - 2011; a solidão dos tempos modernos

Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual (Medianeras), lançado em 2011.
Um filme de Gustavo Taretto.
Outro interessante exemplar do cinema argentino. Ele se oferece para estudar a vida e as relações humanas contemporâneas em grandes centros urbanos, coisa que faz com leveza e bom humor, ao estilo de Woody Allen, inspiração do diretor argentino. O filme ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro e melhor diretor no Festival de Gramado.

Em Buenos Aires, vivem Mártin e Mariana. Moram sozinhos em prédios vizinhos, mas não se conhecem. Ele é web designer, viciado em internet e video games. Foi abandonado pela namorada e quase nunca cruza a porta de casa. Ela é formada em arquitetura mas trabalha como vitrinista. Acaba de sair de um relacionamento infeliz e não é capaz de se envolver novamente. Apesar das características em comum que os tornariam um belo casal, as circunstâncias e a vida agitada urbana não permite que se cruzem.

Medianeras, antes de qualquer coisa, é um filme sobre solidão. Um retrato fiel das dificuldades da vida contemporânea, sobretudo em grandes centros urbanos.
Ambientado numa das maiores cidades da América do Sul (e que é parte da terceira maior metrópole da América Latina), o longa explora o modo como temos vivido nas últimas décadas. A urbanização da população ocorrida no mundo inteiro na segunda metade do século XX nos deixou mais próximos fisicamente um dos outros. Por outro lado as relações humanas tem caído de qualidade ano após ano, ainda mais com o advento de um catalizador chamado internet, que promete nos aproximar mas faz o contrário.

Na cidade nos sentimos mais seguros entre quatro paredes, muitas das vezes vivendo num mundo virtual. Quando finalmente saímos cruzamos o tempo todo com uma multidão de outros seres humanos. Geralmente, no máximo ocorrem olhares rápidos e mecânicos; com alguma raridade trocamos cumprimentos no elevador e os mais desinibidos arriscam alguns comentários sobre o tempo, no ponto de ônibus. Seja em condomínios ou em bairros, apenas entramos e saímos de casa, que boa parte das vezes são prisões nas quais nos trancamos e que nos desumaniza. Na melhor das hipóteses tendo algum nível de amizade com algum vizinho. Preocupados apenas em sobrevivermos, desaprendemos a olhar para o outro. Assim, cercados pela multidão de uma cidade, nos vemos solitários, distantes e defensivos. Assim, como todos nós vivemos, é que também vivem os dois personagens. Um pouco menos resignados, é certo, mais ainda assim pessoas comuns. Essa solidão é tão endêmica que até um cachorro se mostra "antissocial" perto de outros animais.

É sobre essa premissa pessimista - que também culpa a arquitetura da cidade por parte da desgraça - que a obra se desenvolve, num tom de melancolia e vazio de sentido na vida. Mas a visão sensível de Taretto, que escolhe um modo delicado e alegre de filmar, revela que ainda há espaço para otimismo. Com humor discreto mas verdadeiro é que acompanhamos a rotina dos dois, adentrando suas intimidades, conhecendo-os bem. Cenas interessantíssimas surgem disso. Além do ótimo desenvolvimento dos personagens (bem trabalhados também pelos atores) e do texto (inclusive o voice-over: o tom quase didático da narrativa que inicia o filme é adorável) a fotografia é linda. E também a trilha sonora.
Mais uma vez os hermanos acertam.

#ficaadica

sábado, 14 de junho de 2014

O Exorcista (The Exorcist) - 1973; o clássico dos filmes de terror

O Exorcista (The Exorcist), lançado em 1973.
Um filme de William Friedkin.
Ícone do cinema de terror e um dos grandes sucessos comerciais da década de 70, O exorcista impressiona pela qualidade técnica, as boas atuações, o estilo narrativo e seu poder de perturbar o público com imagens realmente macabras e assustadoras.

Chris MacNeil (Ellen Burstyn), uma atriz, começa a notar mudanças no comportamento de sua filha. Antes doce e carinhosa, Regan (Linda Blair) passa a falar palavrões e obscenidades, agredir fisicamente outras pessoas e ter convulsões. Depois de horas de exames e consultas com médico e tratamentos e remédios inúteis, a mãe procura um exorcista.

O roteiro, assinado por William Peter Blatty, é a adaptação do livro que o próprio Blatty escrevera e lançara em 1971. O diretor escolhido para filmar foi William Friedkin, que no ano anterior ganhara o Oscar de melhor filme e melhor diretor por Operação França (post em breve). E Friedkin não fez feio, mesmo que para isso tenha feito coisas pouco convencionais como assustar o elenco com tiros para cima, tapas e até filmado num ambiente refrigerado para que a respiração dos atores fosse vista.
O sucesso foi tanto que lendas urbanas nasceram com o filme. Até hoje The exorcist é inspiração e referência no gênero. Muitos elementos que hoje são muito comuns ou até clichês nos filmes de terror, vieram desta obra que ainda se conserva atual.

Se eu que sou ateu e já vi de tudo em filmes achei algumas cenas perturbadoras, fico imaginando a reação do público na época do lançamento. Alguns cinemas ofereciam sacolas para que as pessoas pudessem vomitar. Em vários lugares o filme foi proibido ou sofreu cortes importantes. E não é para menos: se até hoje ver uma garotinha se masturbar com um crucifixo exalta os ânimos, imaginem quarenta anos atrás?

Além da trama naturalmente assustadora e pouco convencional na época, com o demônio encarnado numa criança, o longa possui muitos outros aspectos que intensificam seu poder de provocar medo e tensão. O modo que Friedkin filma é interessante. A câmera passeia pelos cenários criando planos que revelam os amplos cenários antes de se fechar em closes sobre os atores. É com o diretor brincando com esses movimentos, ângulos e enquadramentos que parte da tensão, do medo, da expectativa e da incerteza é construída. A fotografia também se modifica a medida que o enredo avança, ficando cada vez mais sombria.

A cenografia também tem papel importantíssimo: desde as paisagens áridas e infernais do Iraque ao ar fúnebre e úmido da casa na noite do ritual, ela aumenta o desconforto.
E, claro, impossível não elogiar a maquiagem fantástica que imortalizou Linda Blair como a garotinha possuída pelo diabo (provavelmente este é o melhor trabalho de toda sua carreira). Da linda e meiga menina ela passa a um "semi-cadáver" vomitando podridão e blasfêmias.
Se você curte terror, esta obra é obrigatória.

#ficaadica