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terça-feira, 29 de abril de 2014

Um sonho de amor (Io sono l'amore) - 2009; por amor, que vá tudo pro inferno

Um sonho de amor (Io sono l'amore), lançado em 2009.
Um filme de Luca Guadagnino.

Há algo de especial nesse filme; de diferente. Não é o estilo narrativo nem a trama em si, mas o modo como Guadagnino filma. Primando pela estética e a valorização da parte visual ele usa ângulos imprevisíveis, brinca com reflexos numa vidraça, filma a natureza, por trás de grades, constrói planos abertos, depois os fecha em closes nos rostos de seus atores, ora cria belas macros, ora espia seus personagens a grande distância. Também resgata um pouco do cinema clássico italiano, chegando a um resultado belo e agradável.

A rica família Recchi, dona de uma enorme indústria têxtil, está mudando um pouco sua organização. O avô, perto da morte, passa seu cargo ao filho e a um dos netos. Já a sua nora Emma (Tilda Swinton), uma russa naturalizada italiana, acaba saindo da rotina ao se apaixonar pelo amigo de seu filho, um cozinheiro que também é futuro sócio de seu filho. Já sua filha, que estuda em Londres, passa por um período de dúvidas em relação ao namorado e à sua própria sexualidade.

Como já dito, o modo narrativo não possui nada de especial. A trama segue sua ordem cronológica. Também a temática não é original: a família que se desfaz por culpa de suas paixões. Mas o modo como Guadagnino faz tudo, no ritmo certo, acrescentando alguns pormenores no enredo, explorando bem o elenco, inserindo simbolismos sutis e criando belíssimas cenas, eleva sua obra para um outro patamar.
Não é um daqueles filmes silenciosos, aqui há muitas falas, mas elas dizem muito menos dos personagens que as ações.

Tilda Swinton, soberba, aparece como uma mulher distante do marido, mas totalmente entregue aos serviços da casa. Ela parece viver para fazer o que sua família espera que faça: cuidar do marido e dos filhos. Não é difícil entender que é infeliz e que se sente desconfortável com sua situação. Ela é uma intrusa, literalmente uma estrangeira (que esqueceu o verdadeiro nome), numa família rica e tradicional. Sufocada ela evita deixar seus sentimentos transparecerem. Sua relação com o marido é de frieza, a ponto de nem usarem as alianças no dia a dia. O status quo é quebrado quando sua vida esbarra com a de Antônio, que inesperadamente se tornou um grande amigo de seu filho. É quando ela anseia por liberdade e se entrega.
Belas cenas, então, invadem a tela. Um deleite visual, cheio de poesia e erotismo, onde cenas do mais genuíno sexo são intercaladas com imagens selvagens. O ser humano, antes de tudo, também é um animal.
Paralelamente a filha também passa por mudanças, também se entrega às paixões. A mãe acaba por compreendê-la bem.
Também o restante da família sofre mutações: a perda do patriarca, a sucessão de poder, a quebra da tradição. Os Recchi, talvez temendo a crise econômica, decidem vender o negócio. Mas o filho mais velho, conservador, tradicionalista, não aceita a ideia. Disso resultam conflitos e tragédias.

Io sono l'amore é um ode ao amor. Cheio de beleza; nos vários sentidos da palavra.
#ficaadica

sábado, 26 de abril de 2014

O Último Imperador (The Last Emperor) - 1987; a belíssima cinebiografia do último monarca chinês

O Último Imperador (The Last Emperor), lançado em 1987.
Um filme de Bernardo Bertolucci.
A obra prima de Bertolucci, que lhe rendeu o Oscar, nos leva à China da primeira metade do século XX, onde acompanhamos a história de Pu Yi - o último monarca do país, que tornou-se uma república em 1912.

O príncipe da dinastia Qing ainda não tinha completado 3 anos quando foi coroado imperador em 1908. Já em 1912 ele perde o trono com a proclamação de uma república. Mas dentro da Cidade Proibida, conjunto de palácios onde por cinco séculos viveram os monarcas da China, o menino mantém o título simbolicamente. Mais tarde é expulso do palácio com suas duas esposas, até se aliar ao Japão, que estava em guerra com a China, e virar um fantoche do inimigo.

Aqui Bertolucci nos mostra todo seu talento como cineasta. O filme retrata diversos períodos da vida de Pu Yi, da infância à velhice, e com isso diversos momentos da história do país, que ele testemunhou. É por meio de duas historias paralelas, uma invocando a outra como flash back, que conhecemos Pu Yi. Sem nunca de fato ter tido algum poder (esse ponto é escancarado em cenas memoráveis), e vivendo numa prisão disfarçada pelo luxo, ele cresce egocêntrico e ambicioso. Ambição que o leva a trair seu país e que o leva preso por mais de uma década. Algo benéfico também é que historiados tem vindo a dizer que o filme retrata com grande fidelidade o que foi a vida do imperador.
O lado emocional de outros personagens também recebem alguma atenção, fundamental para compreender ainda mais a vida de Pu Yi.

O visual é impecável, assinada por Vittorio Storaro, o mesmo diretor de fotografia de Apocalipse Now, de Coppola. Storaro brinca com os jogos de luz e sombras, principalmente nos ambientes internos da mística Cidade Proibida. Foi a primeira vez na história que o governo chinês permitiu que se filmasse uma ficção dentro do prédio. Seu trabalho também divide a trama em pedaços, mudando a cor básica de acordo com a época e o contexto dela. Estamos anos antes da onda de ocidentalização que invadiu o leste asiático - ponto que também fica explicito em várias passagens é justamente essa batalha entre o tradicionalismo e mudanças inspiradas no modo de vida ocidental -, a cenografia, além do palácio, são prédios da arquitetura tradicional chinesa. Os belos figurinos também são os trajes típicos que hoje estão em desuso. As roupas variam dos trajes luxuosos da realeza aos uniformes penitenciários, passando pelas roupas mais simples dos servos eunucos.
Bertolucci também cria planos incríveis de seus cenários, dá closes nos rostos em momentos oportunos, deixa a câmera explorar um pouco dos arredores, usa metáforas e simbolismos deliciosos em alguns momentos (vide sequência do ménage à trois, onde cores quentes e fogo são elementos importantes da construção).
O elenco é competente, inclusive o ator que faz o imperador bebê é muito legal. Mas o destaque maior vem de John Lone, que desenvolve muito bem seu papel. Peter O'Toole também faz um papel secundário mas importe em que aparece muito bem.
A trilha sonora é bem interessante, constituída principalmente da música tradicional local.

The last emperor é um deleite para os olhos, e uma fascinante aula da história da China até o momento em que o país se tornou comunista.

#ficaadica

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Desventuras em série (Lemony Snicket's A Series of Unfortunate Events) - 2004; tolo, feio e chato

Desventuras em série (Lemony Snicket's A Series of Unfortunate Events), lançado em 2004.
Um filme de Brad Silberling.
Havia já alguns meses que um filme não me decepcionava tanto. Embora eu praticamente não tenha criado expectativas sobre ele, eu pensava que o filme era diferente. Não pensei que era bom, mas não tinha a menor suspeita de que veria um filme tolo.

Depois da casa dos pais ser incendiada com eles lá dentro, os irmãos Baudelaire (um pirralho nerd; uma menina chata metida à responsável e que inventa umas coisas ridículas; e uma bebê que, como diz o vilão, mais parece um macaquinho) são enviados a morarem com um parente distante, que recebe a guarda. O cara, além de péssimo ator e desagradável, é muito ganancioso, interessado apenas na gorda herança das crianças. Eventualmente ele perde a guarda, mas continua as perseguindo, com planos mirabolantes.

É meio difícil acreditar que tiveram que unir três livros de uma série infantojuvenil para criarem um filme tão ruim e com tão pouco enredo. E a pouca trama que existe é clichê, maniqueísta, previsível, tola demais mesmo para uma história infantil, construída em cima de personagens estereotipados. Um único livrinho qualquer da coleção Vaga-lume daria um filme melhor. Ok que é voltado para o público infantil, mas uma criança de mais idade ou com um senso crítico mais aguçado dificilmente o acharia grande coisa. Ao menos eu com 10 anos já o acharia imaturo demais para mim, e eu não era nenhuma criança anormal.

Nunca vi Jim Carrey tão chato; provavelmente este é o personagem mais vergonhoso de sua carreira (ainda que o mais singular). Ele faz o vilão, mas a raiva que senti dele nem era porque queria fazer mal às crianças, mas porque era estúpido e chato demais para conseguir. Sério, de um lado um vilão tolo que pega os caminhos mais mirabolantes para fazer algo simples, do outro um trio de "heróis" que você começa a torcer para que se deem mal (leia-se morram) e aquela bobagem acabe de uma vez. Se Jim Carrey está ruim, o trio de atores mirins está péssimo; eita crianças insossas e antipáticas. E que crianças burras - ainda que tentem nos fazer pensar o contrário - que pegam os caminhos mais mirabolantes para resolverem os problemas simples que lhes aparecem. A bebê é a coisa mais interessante da película inteira, e talvez a mais inteligente. Mesmo assim não é coisa que salve a película.
Para completar tem Meryl Streep, que mesmo sendo a melhor atuação da obra, também está ruim e tem uma personagem tola, estereotipada e que você também deseja que morra de uma vez. Devia ser desgosto e arrependimento da atriz por se meter naquela jogada de marketing. Dustin Hoffman aparece no que um amigo meu chamaria de figuração de luxo.

O universo mais ou menos fantasioso em que a trama se ambienta é muito pouco atraente, e ainda menos crível. Procurou-se criar um ar fúnebre, de mistério, imitar as atmosferas góticas de Tim Burton, meio macabras, mas o resultado não me cativou. Sem falar que a fotografia quase grita: "fui feita em computador, viu?". No final Jim Carrey dá uma lição de moral desnecessária, dizendo que as crianças nunca são ouvidas. O momento mais cínico de todos. Desnecessárias também são as cenas iniciais dos duendes, devaneios de um escritor e narrador disfuncional e descartável com falas metalinguísticas que nos mandam parar de ver o filme e ir ver outro na sala ao lado. Obedeça.
A melhor cena é mesmo os créditos finais, pois tem uma animaçãozinha bidimensional legalzinha (ao estilo Tim Burton) e assinala o fim de um péssimo filme.

#passelonge

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Um Lugar Qualquer (Somewhere) - 2010; reconstruindo os laços de paternidade

Um lugar qualquer (Somewhere), lançado em 2010.
Um filme de Sofia Coppola.
É difícil entender como Somewhere conseguiu ganhar o Leão de Ouro em Veneza, se a por meio de lobby, se uma tentativa de indiretamente homenagear o Coppola pai, ou porque a concorrência estava fraca mesmo. Por outro lado especula-se favorecimento por parte de Quentin Tarantino, parte do juri e ex-namorado de Sofia. Polêmicas à parte - apesar do filme não ser uma obra prima que merecesse um prêmio tão importante -, o quarto longa da filha Coppola encanta pela sua sinceridade, ainda que seja quase impossível não compará-lo e notar semelhanças com o seu doce (e melhor) Encontros e Desencontros.

Johnny Marco (Stephen Dorff) é um ator de filmes de ação no auge de sua fama. Ele tem a vida que todos invejam: dinheiro, fãs, carros caros e mulheres. Mas ele não está bem, passa por uma espécie de crise existencial e não está muito confortável com sua situação. A filha aparece para morar alguns dias com ele, tendo um papel importante em sua mudança emocional.

 Aqui Sofia estuda como a vida é construída de aparências. A exemplo do personagem de Bill Murray em Encontros e Desencontros, Johnny Marco sente-se deslocado no meio em que está inserido. Ele tenta se adequar, mas ele sente um grande vazio, mesmo que o mundo pense que a vida de um astro é glamourosa e interessante. Mas numa tomada uma colega de trabalho com quem está posando aos sorrisos, mostra como o meio artístico pode ser cínico.
Ele vive entediado, desencantado, e já no início há uma cena em que isso fica claro: duas dançarinas contratadas de pole dancing fazem um show particular. Ele nem sorri. Na cena maçante do molde do rosto, ele se sente impotente e sufocado. O contato com a filha, de quem sempre foi distante, acaba despertando um olhar um pouco mais otimista em relação ao mundo.

O cinema minimalista, com tomadas longas, silenciosas e monótonas da diretora está aqui. Não é uma obra para todos os públicos, muitos a classificariam simplesmente como "chata". Mas isso é menosprezar Coppola e ignorar o que ela nos oferece. Ela é uma diretora apaixonada pelo ser humano. Aqui ela divide essa paixão com o público, nos convidando a contemplar a vida de dois deles. Como uma cronista ela capta momentos da rotina de seus personagens. Pouco acontece nada na trama em si, mas os personagens estão sofrendo mutações a todo instante. Não há muito diálogo, mas basta observarmos os atores, seus gestos e expressões, para compreendermos o turbilhão de sentimentos neles. A diretora trabalha nisso dando closes nos atores, fechando os planos neles, filmando-os de ângulos sutis e naturais. Observar de perto um homem fumando pode ser muito revelador. E um pai reconfortar a filha melancólica ou brincar com ela na piscina, mágico.
Nesse ponto Stephen Dorff e a doce Elle Fanning são importantes. Além de dosarem muito bem suas atuações, tornando seus personagens completamente críveis, a química entre eles é ótima. E a trilha sonora é boa e bem dosada.

O difícil é não nos perguntarmos se este filme não é muito pessoal, se Coppola pai, em sua fama, não se distanciou da filha e deixou que ela crescesse sozinha. Se for o caso, a película revela que houve perdão.

#ficaadica

sábado, 19 de abril de 2014

Má educação (La mala educación) - 2004; a auto-reflexão de Almodóvar

Má educação (La mala educación), lançado em 2004.
Um filme de Pedro Almodóvar.
Mais uma obra incrível que reafirma a genialidade de Almodóvar. Só que La mala educación traz algumas surpresas, algumas características que o diferenciam um pouco de outros trabalhos do diretor. É um filme masculino, e mais adulto que os outros. Desta vez quase não há mulheres na trama, e sempre que aparecem é em papéis pequenos; aquele doce humor que se mistura ao drama praticamente não tem espaço aqui, e o diretor dessa vez brinca com o tempo cronológico, corta e emenda tramas, usa metalinguagem e cria um pequeno thriller.

Nos anos 60, Ignácio e Enrique estudam num colégio religioso, onde começam a descobrir juntos o amor e a sexualidade. Entre eles há um dos padres, que nutre uma paixão por Ignácio. Eventualmente todos os três se separam e passam anos sem se reencontrarem, até que tornam a entrar em contato uns com os outros, numa trama cheia de intrigas, mentiras, chantagens e jogos de interesses.

Almodóvar chegou a declarar que este é um de seus filmes mais pessoais, embora não seja uma autobiografia de sua infância como especulou-se. Independente disso, o resultado é incrível. Talvez haja mais uma reflexão sobre sua vida pessoal e carreira.  
Já é uma marca registrada do cineasta textos com enredos pouco prováveis e personagens profundos, bem desenvolvidos. Aqui não é diferente, Almodóvar cria um charme incrível com um material que nas mãos de outro se tornaria um trash de gosto muito duvidoso. Só mesmo ele para transformar Gael García Bernal num travesti usurpador sem parecer estupidez ou apelação (aliás, o ator mostra ser muito corajoso e competente com esse trabalho).
E desta vez a trama é fragmentada, não linear, psicológica. Não se sabe o que é verdade e o que é fantasia, e a dúvida, junto ao resto dos desdobramentos, cria um suspense delicioso. Aliás, nessa obra ele faz bela homenagem aos filmes noir da década de 40 e 50 (mas aqui o que há é um homme fatale), entre outras referências à clássicos.
Difícil definir a temática dessa película, que parece sobretudo debater sobre a sexualidade e a homossexualidade.
La mala educación é também uma clara crítica à Igreja Católica, apontando os casos de pedofilia dentro da instituição e a má educação que as crianças recebem dela. Mas isso também é feito de uma forma um tanto despretensiosa e elegante, preferindo mostrar como isso reflete na vida adulta das crianças envolvidas a ser um filme-denúncia barato.

A estética que o fez famoso também está aqui. Os cenários e figurinos continuam coloridos, rendendo uma fotografia muito bela. Toda a sensualidade que o diretor é capaz de criar também está presente. Em seus outros filmes ele sempre filmou com paixão ardente as curvas de suas mulheres. Dessa vez não houve pudor em mostrar a beleza e as curvas do corpo masculino. Isso atinge seu ápice na cena do mergulho, com o ator mexicano voando para dentro da água, em câmera lenta. A câmera lenta reaparece eventualmente em outras belas construções, como o da batina de um padre goleiro tremulando ao vento durante um salto para apanhar a bola. Momentos incríveis do cinema do diretor.

Almodóvar tem uma paixão muito grande pelo cinema, que sempre se revela ao longo de seus filmes, uma paixão que vale a pena acompanhar e que ele declara pouco antes dos créditos finais.